terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Vidas em celas
Movidas pela devoção a Deus ou levadas à força, mulheres pernambucanas do século XVIII iam morar em casas de recolhimento
Suely Creusa Cordeiro de Almeida

Uma beata, uma prostituta e duas escravas: o que estas mulheres aparentemente tão diferentes têm em comum? Elas viveram enclausuradas, durante parte de suas vidas, em recolhimentos no estado de Pernambuco no século XVIII. Essas casas tinham uma rotina bem parecida com a dos conventos e serviram para a educação feminina, para o aprisionamento e experiências de fé. 

O dia em um recolhimento começava às 5 horas da manhã, e grande parte dele era dedicado a orações e meditações. As atividades tinham horários rigorosos a serem cumpridos. Das 6h às 9h era o período dedicado à missa e aos sacramentos; às 14h eram rezadas as Vésperas (reza de agradecimento ao dia) e às 18h, a Ave-Maria. As instituições ensinavam não só a ler e a escrever, mas também caligrafia, regras de pontuação e ortografia, matemática, música e costura. Na hora de dormir, às 22h, a responsável pelo recolhimento acompanhava cada interna até sua cela. 

Destino comum de moças que não se casavam, o isolamento nessas instituições podia ter diversos motivos. A devota Lourença do Rosário, por exemplo, com sua profunda religiosidade, não decidiu simplesmente ir viver em um recolhimento: resolveu fundar um. Pôde construir o prédio que abrigou a instituição em terrenos doados que ganhou. Ficava no Beco do Paraíso, dentro do bairro popular de Afogados, no Recife. Mas sua trajetória não foi fácil. Muito pobre, a beata garantia com esmolas o seu sustento e o de outras mulheres que a acompanhavam. A casa, que recebia órfãs e donzelas, não tinha uma renda fixa, e precisava contar com donativos para se manter. 

A fé e a simplicidade de Lourença não podiam ser mais evidentes. Descalça, ela andava sempre com uma imagem do Menino Jesus nos braços, vestida com um hábito pobre e uma touca na cabeça. 

Além de abrigar mulheres, a instituição prestava vários serviços: oferecia educação não só para as internas, mas também para meninas pobres, inclusive expostas (deixadas para adoção), prestava socorro aos doentes, acompanhava famílias de luto e até puxava o ofício dos mortos quando não havia sacerdote. 

Os recolhimentos tinham a religião como elemento central, mas eram organizações leigas, não subordinadas a qualquer ordem religiosa. Uma das principais diferenças em relação a conventos era que as recolhidas não precisavam fazer votos de pobreza, obediência e castidade, e podiam sair a qualquer momento para se casar ou voltar para a casa de parentes.

Se a vida da beata Lourença do Rosário foi exclusivamente dedicada à religião, não se pode dizer o mesmo da prostituta Joana de Jesus, uma “desregrada”, segundo a palavra usada na época. Parda, pobre e sem instrução, morou no Recife e na Vila de Goiana. Mas o contato com o jesuíta e missionário italiano Gabriel Malagrida (1689-1761) provocou uma mudança definitiva em sua trajetória. Arrependida de seus pecados depois de ouvir os sermões do padre, ela abandonou a profissão. Foi nesse momento que decidiu que a melhor maneira de deixar para trás a prostituição era se isolar no Recolhimento das Convertidas de Igarassu, próximo ao Recife.  

No recolhimento, habitava uma casinha de taipa e trabalhava como serva onde podia cozinhar, lavar e limpar a casa. Recolhia-se logo após cumprir suas tarefas e frequentemente fazia jejuns, comendo apenas uma vez por dia alimentos leves e em pequena quantidade. Dormia sobre a terra, tendo como cabeceira um madeiro em que se recostava. Certamente em busca de purificação, a ex-prostituta praticava a  autopenitência: apertava o corpo com cilícios (corrente de metal com pontas, usada como instrumento de penitência) e açoitava-se. 
Quando meditava, chegava a entrar em transe. Os preceitos católicos eram seguidos à risca também no convívio social: era caridosa, trabalhadora, humilde e obediente, segundo depoimentos dos moradores de Vila de Igarassu a respeito dela, escritos por D. Domingos Loreto Couto. 

A doença e a proximidade da morte só fizeram acentuar a fé de Joana. Um dia antes do falecimento, em 11 de janeiro de 1754, um sábado, levantou-se da cama e passou todo o dia cantando louvores a Deus e a Maria Santíssima. Parecia que adivinhara seu destino. Seu rosto adquiriu tal esplendor que impressionou as outras recolhidas. Ao responder sobre o motivo de tanta alegria, disse que Deus lhe havia concedido descanso. No domingo, recebeu a unção dos enfermos e continuou seu louvor até as três horas da tarde, quando morreu. “Seu corpo ficou flexível, e seu rosto corado e com tanta formosura, que nela desapareceram todos os sinais da morte e os estragos causados pelos rigores da penitência”, relatou D. Domingos Loreto, no século XVIII, no livro Desagravos do Brasil e Glórias de Pernambuco. A descrição apresentava características comuns aos grandes místicos, o que atraiu grande curiosidade em seu funeral.  

Joana de Jesus buscou e, ao que parece, conseguiu salvação com a vida que escolheu levar dentro do recolhimento. Este foi o caso também de duas escravas – mãe e filha, uma negra e outra mulata. O nome das cativas é desconhecido, mas sabe-se que elas pertenciam a Antônio de Araújo, com quem viviam em concubinato. Mas elas passaram a entender este relacionamento como pecado e resolveram não mais ceder às investidas do senhor.

O arrependimento e o desejo de servir a Deus, no entanto, não foram as únicas razões da opção pelo isolamento. O senhor as maltratava, um fato conhecido pela vizinhança do Recife.  Certa vez, quando a mais nova se negou a dormir com Antônio, ele chegou a prendê-la no tronco pelo pescoço para castigá-la.  

Esta e outras histórias de violências cometidas por Antônio de Araújo correram de boca em boca até chegarem aos ouvidos do bispo de Pernambuco, D. Frei Luís de Santa Tereza, em 1753. O prelado procurou livrar as escravas daquela situação por meio dos tribunais portugueses, primeiramente o Conselho Ultramarino e, em seguida, a Mesa da Consciência e Ordem. O bispo pedia que as escravas fossem vendidas a preço justo, pois havia uma lei de 1688 que dizia que se fosse provado em tribunal que o senhor era cruel, ele teria a obrigação de vender os escravos maltratados.

Outra lei do mesmo ano dava a qualquer um, inclusive aos escravos, o direito de denunciar seus senhores por maus-tratos. A demora de um veredicto, somada ao aumento dos castigos, fez com que as escravas fugissem, procurando abrigo junto ao bispo. Este mandou que elas procurassem o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, em Olinda. 

Nem sempre as mulheres escolhiam ir para essas instituições. Branca e rica, Brite Manuela foi obrigada a se enclausurar. Ela era filha de João Paes Barreto, grande negociante da Companhia Geral de Pernambuco e dono de quatro engenhos no Cabo de Santo Agostinho. Acusada de manter uma “casa de alcouce” (um prostíbulo) com suas escravas e de se prostituir publicamente, foi mandada para o Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição, em Olinda.

Desde cedo sua vida foi conturbada. Brites Manuela se casou grávida, depois de mover um complicado processo que correu nos tribunais portugueses. Seu marido era João do Rego Barros, homem poderoso que foi fidalgo e Provedor da Casa Real, que administrava e controlava os gastos e as rendas reais. Ele foi obrigado pela Justiça portuguesa a casar para “reparar o erro”, mas os dois nunca chegaram a viver juntos.

Até aí, pelo menos as aparências estavam salvas.  Mas quando o marido e os pais de Brites Manuela morreram, ela se mudou do Cabo de Santo Agostinho e foi para o Recife, onde teria se prostituído. Naquela época, uma mulher pertencente à elite pernambucana não podia viver como bem entendesse. Suas ações constituiriam uma mácula na honra e no prestígio de sua família. 

Quando se transferiu para a vila de mala e cuia, Brites levou um adicional de escravas vindas das propriedades do irmão, Estevão Paes Barreto. Foi ele quem denunciou à Coroa portuguesa a fuga da irmã e suas supostas ações imorais. Em carta à rainha D. Maria, Estevão afirmava que Brites Manuela, além de proceder de modo indecente, havia lhe roubado escravos.  Por fim, questionava a divisão dos bens feita após a morte dos pais.  

Por tudo isso, ela deveria ser impedida de agir como uma mulher desclassificada. Em síntese, a situação se resolveria entregando Brites Manuela a uma casa de clausura perpetuamente (com despesas pagas pela família). E assim foi feito. Ela ainda teve todos os bens confiscados. 

As histórias dessas mulheres são uma pequena parte de tudo que só as paredes das casas de recolhimento testemunharam. Vidas que, para algumas, foi de dedicação e fé, mas também provas de que não foram passivas em suas trajetórias.

Fonte: RHBN
Mascates em guerra
Há 300 anos, a capitania de Pernambuco se dividiu em uma briga política que resultou na emancipação do Recife
George F. Cabral de Souza

Para conseguir participação política no início do século XVIII, os comerciantes do Recife precisaram enfrentar um conflito civil. Até então, todos os mercadores do Brasil colonial eram excluídos das Câmaras Municipais, o centro do poder local. A disputa foi acirrada, mas os mascates conseguiram o que queriam. O feito era inédito, e três séculos depois esta vitória parece estar mais do que estabelecida. Nas eleições municipais de 2008, quem diria, o vereador mais votado de Olinda foi um vendedor ambulante: Mizael Prestamista conseguiu o voto de 5.300 eleitores. De fato, muita coisa mudou.

Durante quase 200 anos, a aristocracia açucareira pernambucana dominou a Câmara Municipal de Olinda, principal vila da capitania de Pernambuco. Isto acontecia com respaldo da legislação portuguesa. A contenda começou com a expulsão dos holandeses de Pernambuco. Durante a ocupação (1630-1654), Recife passara de simples ancoradouro de Olinda a um grande centro urbano, ganhando importância. Com a saída dos invasores,  formou-se uma nova comunidade de mercadores. Vinham quase todos do norte de Portugal, para trabalhar como caixeiros ou se dedicavam ao pequeno comércio, e por isso eram chamados de mascates. Muitos deles enriqueceram, chegando a comprar engenhos e escravos.

Com a conquista do poder econômico, não é de espantar que começassem a querer também o poder político. O acesso à Câmara dos Vereadores significava a participação nas principais decisões locais. A instituição tinha múltiplos poderes, como definir valores de mercadorias e tributos, e funcionava ainda como tribunal de primeira instância.  

O problema é que ela era controlada pela “nobreza da terra”, ou seja, os senhores de engenho que haviam se empenhado diretamente na luta contra os holandeses. Esse domínio se manteve durante muito tempo, sendo passado para seus descendentes. Quando os comerciantes começaram a cobiçar estes cargos, o clima azedou. Muitos dos senhores de engenho estavam endividados até as orelhas com os mascates. Ceder o mando político local aos seus credores lhes parecia um pesadelo. 

Para repelir os comerciantes, os nobres recorreram às antigas e exigentes normas que definiam quem podia se candidatar aos cargos municipais. As eleições para vereador naquela época eram feitas de forma indireta. Votava-se em um colégio eleitoral e este grupo indicava os nomes para os cargos cujos mandatos eram anuais. Tanto eleitores como eleitos tinham que ser “homens-bons”, isto é, só podiam participar proprietários de terras e de escravos, que fossem bem-nascidos. Isso excluía os mestiços, descendentes de judeus e cristãos-novos (gente recentemente convertida ao cristianismo), e os que exerciam trabalhos manuais. Neste grupo estavam os sapateiros, pedreiros, carpinteiros ou pequenos comerciantes, com suas lidas de pesar, carregar e expor as mercadorias. 

Quase todos os comerciantes portugueses no Recife tinham desempenhado trabalhos manuais ou eram filhos e netos de trabalhadores braçais. Além disso, a nobreza da terra alegava que, por só quererem o lucro, os mascates não eram adequados para gerir os assuntos públicos. 

Os comerciantes continuaram pressionando por seus interesses, com um poder de barganha que não era pequeno. Entre os serviços que prestavam à Coroa portuguesa estava o empréstimo de recursos para aos cofres da monarquia. Em 1703, uma lei autorizou os grandes comerciantes a serem vereadores. Os mascates, isolados até então em cargos secundários, conseguiram se eleger para alguns dos cargos principais. Mas os nobres se recusavam a tomar posse, paralisando o trabalho da Câmara. Em 1706, a discussão entre dois vereadores sobre uma nomeação acabou em briga. Um nobre e um comerciante trocaram socos e pontapés na sala de reuniões da Câmara de Olinda. 
Após muita reclamação de ambos os lados, em 1709 o rei D. João V (1706-1750) elevou o Recife a vila, com uma Câmara própria. Com autonomia, a localidade não teria mais que disputar com Olinda o poder político. 

A notícia chegou ao Recife em 5 de fevereiro de 1710, em meio a um ambiente bastante tenso. Nos meses que haviam decorrido, as desavenças entre mascates e nobres tinham se agravado. Em grande parte, isso acontecera por conta da atuação desastrada do governador da capitania na época, Sebastião de Castro e Caldas. Ele era abertamente partidário dos comerciantes, concedendo-lhes benesses, prejudicando a nobreza da terra e praticamente transferindo a sede da governança para o Recife, o que tinha grande valor simbólico. 

Temendo represálias, Castro e Caldas não divulgou de imediato a emancipação política do Recife; esperou dez dias. As pedras para a construção do novo pelourinho – coluna instalada em local público, símbolo da autonomia da municipalidade e local para castigo de escravos – foram preparadas em segredo. Mas o adiamento não resolveu a situação. O descontentamento da nobreza da terra levou o grupo a iniciar imediatamente sua reação: um atentado contra o governador e a derrubada da Câmara do Recife. Na noite de 17 de outubro, quando voltava de uma missa, Castro e Caldas foi alvejado por vários tiros. Ferido, o governador tentou em vão reprimir a sedição. Os contingentes reunidos por senhores de engenho conseguiram avançar para o Recife.

No dia 6 de novembro, cerca de três mil homens acamparam nas imediações de um Recife tomado pelo pânico. Testemunhos da época relatam que desde a invasão holandesa não se presenciava tanto desespero. Acuado, o governador fugiu para a Bahia. Com ele foram os mascates mais envolvidos nas manobras que levaram à criação da nova Câmara e os maiores credores dos senhores de engenho. 

As autoridades que permaneceram na capitania conseguiram manter os ânimos sob controle. As milícias foram autorizadas a marchar pela vila. As fileiras mais numerosas entraram no dia 9, acompanhadas por religiosos encarregados de manter a ordem e coibir abusos. Nesse mesmo dia, 12 índios foram enviados ao pelourinho com a missão de destruí-lo. Após derrubar a coluna, arrastaram pelas ruas a placa de bronze que materializava a autoridade municipal do Recife. Outras duas marchas menores foram feitas nos dois dias seguintes, e ao longo do trajeto os milicianos bradaram ofensas contra o Recife.

Por ordem régia de 1707, competia ao bispo D. Manuel Álvares da Costa assumir o governo. No entanto, ele estava na Paraíba em visita pastoral, e teve que sair de lá às pressas. Com a confusa situação, os líderes locais acharam melhor chegar a um consenso sobre quem deveria governar. Um grupo mais radical queria a proclamação de uma república controlada pela nobreza, nos moldes de Veneza (proposta pioneira no continente americano). Já os moderados defendiam a entrega do governo ao bispo. Depois de muito debate, a posição desses últimos prevaleceu.

D. Manuel Álvares da Costa governou Pernambuco durante 11 meses, controlado de perto pelos nobres. A nova Câmara foi fechada, seus papéis foram destruídos e seus oficiais, humilhados em praça pública. Em Lisboa, a notícia chegou no final de fevereiro de 1711, e o Conselho Ultramarino começou a preparar a punição ao levante. Um novo governador, Félix José Machado, foi nomeado e instruído a identificar e prender os cabeças da sedição dos nobres. 

Enquanto isso, os mascates se articulavam para reagir. Tinham que garantir que o novo governador pudesse assumir. Em 18 de junho de 1711, tomaram as fortalezas do porto. A nobreza sitiou a vila com 1.500 homens e canhões retirados dos fortes litorâneos. Os mascates dispararam cerca de cinco mil projéteis contra os sitiantes, mas não conseguiram romper o cerco. As baixas somadas não chegaram a uma dezena, mas na vila houve escassez de comida e água potável. A população teve que comer mariscos com açúcar.

Em Pernambuco e nas capitanias vizinhas, a população se dividia entre apoiar Olinda ou Recife. Alguns senhores de engenho do sul de Pernambuco aderiram ao Recife, o que permitiu que a vila fosse abastecida pelo mar com provisões embarcadas em portos secundários. O impasse durou até o outubro de 1711, quando o novo governador chegou. Após delicadas negociações, os combatentes foram desmobilizados. Só então Félix Machado pode desembarcar e ser empossado. No início, agiu de forma aparentemente imparcial, mas quando a poeira baixou, pôs em prática um elaborado plano de repressão aos nobres da terra.  

A Câmara do Recife voltou a funcionar em meados de novembro de 1711. Ao longo das décadas seguintes, surgiram vários pontos de atrito entre as duas municipalidades. Questões de jurisdição sobre a administração dos tributos alimentaram um conflito político crônico. De qualquer forma, o resultado da Guerra dos Mascates foi a entrada de um novo grupo social na esfera política. No século XXI, quando o vereador mais votado nas eleições locais foi um comerciante que diz ter orgulho do que faz, fica evidente o legado do conflito. 

Fonte: RHBN
Degola no Sul
Uma ameaça à jovem República, a Revolta Federalista foi violentamente rechaçada. O resultado foi a morte de dez mil homens
Rafael Sêga

Muito sangue foi derramado para que a República pudesse se sustentar nos anos que se seguiram à sua Proclamação. No Rio Grande do Sul houve até degolas. O fato é que havia muitos interesses em jogo durante os governos militares de Deodoro da Fonseca (1827-1892) e Floriano Peixoto (1839-1895). Os dois presidentes precisaram conciliar os negócios da economia cafeeira com a manutenção da unidade nacional. Mas não o fizeram sem resistência. 

Um dos movimentos que mais contestaram a soberania dos republicanos foi a Revolução Federalista, uma série de conflitos armados que ocorreram nos três estados do Sul do Brasil entre 1893 e 1895. O fundador do Partido Federalista do Rio Grande do Sul, Gaspar Silveira Martins (1834-1901), defendia uma reforma da Constituição e a adoção do parlamentarismo. Seus correligionários foram enfrentados por Julio de Castilhos (1860-1903), que governava o Rio Grande do Sul. 

A luta aberta irrompeu quando o ex-fazendeiro Gumercindo Saraiva (1852-1894), que tinha se refugiado no Uruguai, cruzou a fronteira com cerca de quatrocentos federalistas, chamados também de “maragatos” – termo que remete a uma região da Espanha, La Maragataria, povoada por berberes da região egípcia do Maragath, e aos oriundos do departamento uruguaio de San José. Os maragatos no Uruguai eram majoritariamente blancos, representantes de uma classe de pequenos produtores rurais. No Brasil, eles se alinhavam aos partidários de Gaspar Silveira Martins, contra os projetos centralizadores locais, liderados por Julio de Castilhos, e nacionais, liderados por Floriano.

Para organizar suas tropas, os maragatos tiveram que usar fitas vermelhas (as “divisas”) nos chapéus para que sua ascendência militar ficasse à mostra. Já as tropas federais governistas passaram a ser conhecidas como “pica-paus”, por conta do uniforme azul e do barrete vermelho. Após algumas escaramuças iniciais, o primeiro grande confronto entre as duas facções ocorreu na Campanha Ocidental, no início de maio de 1893, em Alegrete, nas proximidades do arroio Inhanduí. Para muitos, essa foi uma das maiores batalhas da história do Rio Grande do Sul.

Os bem armados republicanos, apesar da inferioridade numérica, conseguiram repelir os federalistas do campo de batalha com canhões e metralhadoras. A retirada das tropas revolucionárias, liderada pelo coronel Joça Tavares (1818-1906), foi um desastre: os governistas conseguiram alcançá-las, provocando grandes perdas entre os insurretos e obrigando-os a voltar ao Uruguai para reorganizar suas forças. A certeza da vitória final era tanta que os chefes legalistas haviam enviado um telegrama a Julio de Castilhos no qual afirmavam sumariamente: “Revolução estrangulada”.

No final de julho, Gumercindo uniu suas tropas às do general Salgado, num total de quase dois mil homens, e prosseguiu tomando pequenas cidades da Campanha até a primeira vitória, em Cerro do Ouro, no final de agosto. Pouco tempo depois, os federalistas receberam notícias que lhes deram um novo ânimo: na capital da República, a Armada, sob a liderança do almirante Custódio de Melo (1840-1902), havia se rebelado contra a ditadura de Floriano. O presidente, para defender sua permanência no poder, acabou agindo de forma centralizadora,contrariando certas elites regionais.

 Custódio achava que poderia intimidar Floriano com bombardeios na capital, como havia feito dois anos antes com Deodoro, mas não foi o que aconteceu. A esquadra rebelde sofria por causa de uma epidemia de beribéri, e começou a perder o ânimo para enfrentar os canhões das fortalezas fiéis ao governo. Custódio então resolveu, no início de dezembro, romper o cerco do canal da barra com o encouraçado Aquidabã. O objetivo era ligar sua tropa ao cruzador República na ilha de Santa Catarina, onde o capitão de mar e guerra Frederico Guilherme de Lorena havia proclamado um “Governo Nacional Provisório” desde outubro.

Mas o lado governista, a Divisão do Norte – comandada pelo senador gaúcho José Gomes Pinheiro Machado (1851-1915) –, diminuiu o entusiasmo dos federalistas, forçando-os a avançar para o norte do estado, onde se encontrariam com os revoltosos que estavam estacionados na ilha de Santa Catarina. Num primeiro momento, o deslocamento da revolta da Armada para o Sul e a sua ligação com a Revolução Federalista foram bem-sucedidos. Mas a união dos dois movimentos não se manteve: os pretensos aliados pouco tinham em comum.

Em outra frente de combate, no final de 1893, uma força governista foi dominada por Joca Tavares às margens do Rio Negro, nas proximidades de Bagé, onde ocorreu uma das maiores atrocidades de todo o período. Na noite de 24 de novembro, cerca de trezentos dos mil prisioneiros foram executados por degola. Mas essa chacina não passaria incólume. Alguns meses depois, um general castilhista, Firmino de Paula, se vingou exterminando um número quase igual de maragatos em Boi Preto. 

Logo em seguida, Tavares apostou todas as suas fichas na tomada de Bagé, que era sede de uma bem armada guarnição militar e dispunha de uma linha férrea que a ligava à cidade de Rio Grande. Mais ao norte, a coluna de Gumercindo conseguiu chegar a Blumenau, e dalí seguiu até a cidade litorânea de Itajaí, onde pretendia se juntar aos revoltosos da Armada. O comandante prosseguiu sua marcha com um plano audacioso: tomar as praças de guerra Tijucas e Lapa, no sudeste do estado do Paraná, enquanto Custódio de Melo se encarregava de tomar o porto de Paranaguá. As localidades foram conquistadas em poucas semanas.

Da Lapa, os maragatos pegaram um trem para cuidar dos feridos em Curitiba. Diante dessa ofensiva, o governador do estado transferiu a capital para Castro, deixando Curitiba à mercê das forças federalistas, que exigiram “empréstimos de guerra” para não saquear a cidade. A missão de reunir o dinheiro ficou a cargo de Ildefonso Pereira Corrêa (1849-94), o barão do Cerro Azul – esse gesto seria usado como justificativa para a sua execução, meses mais tarde, na estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, possivelmente por governistas.
 
Quando a vitória dos federalistas parecia inevitável, o presidente Floriano conseguiu organizar a contraofensiva, e obteve importantes vitórias sobre os revoltosos da Armada, pondo a pique o principal navio de guerra dos marujos rebelados, o Aquidabã, o que acelerou o fim do Governo Provisório. Isso abalou a confiança dos maragatos e os fez desistir de invadir São Paulo, onde o governo federal, com a colaboração do governador Bernardino de Campos (1841-1915), havia organizado um exército de quase seis mil homens em Itararé. Só restou aos insurretos recuar em suas posições no Paraná, marchando três colunas para oeste, pelo interior.

Os republicanos enviaram a Divisão do Norte para enfrentá-los em Passo Fundo, onde a coluna de Gumercindo lutou sua última e mais renhida batalha. Os maragatos provocaram grandes baixas nas forças legalistas, mas as cargas de lanceiros eram insuficientes diante de uma infantaria armada com fuzis Comblains e canhões Krupp.

Em agosto de 1894, Gumercindo estava passando em revista seu combalido exército quando foi alvejado por um franco-atirador oculto numa mata, vindo a falecer dois dias mais tarde. Após sua morte, a Revolução Federalista se tornou um protesto errante, e os maragatos resolveram se refugiar na Argentina. A eleição de Prudente de Morais, em março do mesmo ano, colocou na Presidência um civil, o que foi de encontro aos anseios dos grupos radicais jacobinos, que lutavam por um governo militar e ditatorial.

A Revolução Federalista sofreu sua derrota final em junho de 1895, durante o combate de Campo Osório, no qual o almirante Luís Felipe Saldanha da Gama (1846-1895) e seus quatrocentos homens resistiram até o fim. A maioria – marujos montados a cavalo – morreu em combate, e os que sobreviveram fugiram para o Uruguai. O acordo de paz, ou seja, o armistício de Piratini, foi assinado perto de Pelotas, no dia 23 de agosto de 1895, entre o general Inocêncio Galvão de Queiroz, emissário do governo federal, e Joca Tavares, representante dos federalistas – cuja reivindicação principal se reduziu à revisão da Constituição estadual. A guerra civil terminou com uma debandada de dez mil federalistas para o Uruguai e dez mil mortos dos dois lados.

O fim da Revolução Federalista confirmou, no Rio Grande do Sul, o predomínio do Partido Republicano Rio-Grandense sobre a vida institucional. Julio de Castilhos governou até 1898, e a Carta Magna estadual foi o sustentáculo jurídico da perpetuação de um mesmo presidente do estado por quase três décadas: Antonio Borges de Medeiros (1863-1961).

Fonte: RHBN

domingo, 20 de fevereiro de 2011


Para os alunos da 5ª série B (6º ano) turma em que lecionam os Professores Gedson Lopes e Estevo no CCMI, meus amigos

As idades da história

Dez degraus que nos levam às profundezas do passado

por Cláudia de Castro Lima
A divisão da história em períodos é um tema controverso. Muitos estudiosos não concordam que seus marcos sejam acontecimentos políticos, e importância destes como divisores temporais é sempre contestada. Mesmo assim, as idades da história e da pré-história ainda são os degraus mais usados rumo aos tempos imemoriais.
1 milhão a.C. - Pedra lascada
O período conhecido como Paleolítico começa com o aparecimento do homem moderno (homo erectus). Para sobreviver às hostilidades do ambiente, ele aprendeu a usar madeira, ossos e pedra fazendo utensílios como lanças e arpões. Com eles, rasgavam a carne dos animais e conseguiam frutos de árvores e raízes. Nômade, o homem também descobriu como fazer e controlar o fogo.
10 mil a.C. - Pedra polida
Com habilidade na fabricação de armas e ferramentas mais desenvolvidas, como arcos-e-flechas e anzóis, os povos fixam residência perto de lagos e rios. Aprendem a domesticar galinhas e ovelhas, plantam alimentos como trigo, descobrem a tecelagem e constituem família. A produção de objetos de cerâmica também é datada dessa época, a última dos tempos pré-históricos. Nascia assim a base para o nascimento da civilização.
3500 a.C. - Bronze
A pré-história termina com o surgimento da escrita pelos sumérios e com a criação das cidades. O primeiro período da Antigüidade Clássica é caracterizado por novas formas de organização social e também pela descoberta da metalurgia: cobre, bronze e ouro eram usados para a confecção de utensílios. O poder do indivíduo passa a ser medido pela quantidade de objetos metálicos que possui.
1000 a.C. - Ferro
O homem consegue produzir temperaturas de combustão altas o suficiente para a fusão do ferro, que se torna o principal material para armas e utensílios de casa. Esse período abriga o florescimento de grandes civilizações, como os gregos e romanos, que ditarão a conduta humana nos períodos seguintes.
476 - Alta idade média
A queda de Roma assinala o fim das grandes cidades e o início da ruralização da Europa, num período conhecido como Idade das Trevas. Os bárbaros espalham-se até a Península Ibérica e a Grã-Bretanha, mas, entre eles, cresce o cristianismo, com a aliança dos reinos com a Igreja. Fora da Europa, o islamismo surge e alastra-se, e os árabes experimentam um intenso desenvolvimento cultural.
Século 10 - Baixa idade média
As campanhas militares sancionadas pela Igreja contra os muçulmanos – conhecidas como Cruzadas – marcam esse período, que abriga também o nascimento de pequenas cidades cercadas por fortalezas, os burgos. Nessas vilas, drasticamente afetadas pela peste, nasce um sistema social diferente da relação entre servos e senhores feudais.
1453 - Moderna
A nova classe dominante, os burgueses, volta-se ao conhecimento clássico (das civilizações da Idade do Ferro), movimento conhecido como Renascimento. A queda de Constantinopla, capital do Império Bizantino, inaugura o período que abriga a Reforma Protestante, o racionalismo e a descoberta da América, três pilares dos tempos futuros.
1789 - Contemporânea
A Revolução Francesa assinala o fim definitivo do regime monárquico. Sob o rótulo do ideal da igualdade, liberdade e fraternidade, triunfa o sistema de divisão do trabalho assalariado. A tecnologia dá um salto gigantesco, que prolonga a expectativa de vida do homem e o torna capaz de viajar até mesmo para fora do planeta. O que será que marcará o fim desse período?
Fonte:Revista aventuras na História