quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Exposição em Berlim documenta trabalhos forçados durante o nazismo

Museu Judaico de Berlim explicita, em mostra itinerante, a dimensão do horror do trabalho forçado durante o período nazista na Alemanha.

  
Fonte:Dw-World

 
   "Coluna Grünspan, aprendam a trabalhar!" são os dizeres estampados em um cartaz levantado por dois homens, atrás dos quais estão aproximadamente 12 outros em fila. Com pose militar, eles carregam pás e picaretas como se estivessem segurando armas.
   Os judeus, tanto na Alemanha quanto nos territórios ocupados, foram as primeiras vítimas do sistema de trabalhos forçados implementado pelo regime nazista. Acusados de "se esquivarem do trabalho", eles eram humilhados e tinham suas imagens publicamente denegridas. O cinismo do regime chegava ao ápice nas inscrições lidas nos portões de entrada dos campos de concentração: "O trabalho liberta" (Arbeit macht frei).
Milhões de vítimas
   Mais de 20 milhões de homens, mulheres e crianças, oriundos de toda a Europa, foram levados à força para a Alemanha ou confinados nos campos de trabalho forçado dos territórios ocupados. Volkhard Knigge, coordenador da exposição no Museu Judaico de Berlim e diretor do Memorial Buchenwald, localizado no ex-campo de concentração de mesmo nome, fala de um "crime público". No mais tardar a partir de 1941, milhões de pessoas foram submetidas ao trabalho forçado como auxiliares domésticos, na agricultura, em diversos setores da indústria e até mesmo nas igrejas.
Trabalho forçado em obras do grupo químico IG-Farben no campo de concentração de AuschwitzTrabalho forçado em obras do grupo químico IG-Farben no campo de concentração de Auschwitz














   Knigge afirma que houve uma "penetração profunda do nazismo na sociedade alemã", o que faz com que o título da atual exposição no Museu Judaico seja tão adequado e pertinente: Trabalho forçado. Os alemães, os trabalhadores forçados e a guerra.
   A mostra foi financiada com quatro milhões de euros, disponibilizados pela Fundação "Memória, Responsabilidade, Futuro" – também conhecida como Fundação dos Trabalhadores Forçados – sediada  em Berlim desde 2000, o ano de sua criação, e responsável pelo pagamento de cinco bilhões de euros de indenizações às vítimas do trabalho forçado, espalhadas por todo o mundo. Metade dos recursos angariados para esses pagamentos veio dos contribuintes e das empresas alemãs que, durante o período nazista, se aproveitaram da mão-de-obra barata e gratuita.
Frio gélido nas barracas
   A exposição em Berlim, com aproximadamente mil fotos, cartas, além de áudios e imagens, deixa claro como o sistema de trabalho forçado funcionava perfeitamente. Denúncias em relação a judeus ou a ciganos das etnias sinti e rom, bem como comentários depreciativos sobre os chamados "trabalhadores estrangeiros", oriundos dos países ocupados pela Wehrmacht, eram corriqueiros. Os alemães teriam que ter tomado a decisão a respeito de como se defrontariam com essas pessoas, "se com um resto de humanidade ou com os critérios misantropos da ideologia racista", acentua o historiador Knigge.
Prisioneiros soviéticos de guerra recrutados para trabalhos forçados em Zelthain, no ano de 1942Prisioneiros soviéticos de guerra recrutados para trabalhos forçados em Zelthain, no ano de 1942














   Em estações espalhadas pela exposição, o visitante pode ouvir áudios gravados a partir de lembranças deixadas por escrito pelas vítimas, como por exemplo pelo francês Jaques Leperc, forçado a trabalhar, sob terríveis condições de higiene, na montadora BMW aos 20 anos de idade: "Na barraca onde fui instalado, fazia um frio horrível. Comecei a trabalhar: 12 horas por dia numa semana, e, na outra, turnos noturnos de 12 horas, que eram interrompidos por diversos ataques aéreos", lembra Leperc.
   Apesar de extremamente debilitado, ele sobreviveu à exploração, aos maus-tratos e à falta de tratamento médico. De acordo com Knigge, a mostra pretende também prestar uma homenagem a esses trabalhadores forçados ainda vivos.
Elogio de um sobrevivente de Auschwitz
   Pela primeira vez, é possível mostrar aspectos dos destinos dessas pessoas, inclusive no pós-guerra. Para isso, os historiadores responsáveis pelo projeto pesquisaram em diversos arquivos, privados e públicos, no mundo inteiro, mas especialmente na Europa, nos EUA e em Israel, tendo se surpreendido sobretudo com o amplo material fotográfico encontrado. Essas fotos, expostas como em um filme, possibilitam uma visão profunda da vida e do sofrimento dos trabalhadores forçados, o que fica claro nos vários exemplos individuais.
   O historiador polonês Marian Turski, sobrevivente do Gueto de Varsóvia, bem como dos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald, ficou impressionado com os resultados da longa pesquisa. "Essa é uma exposição muito séria, inteligente e cuidadosamente preparada", diz ele, satisfeito com o fato de que a mostra deverá chegar também à Polônia. De Berlim, a exposição itinerante segue para Varsóvia, onde será inaugurada em 2011. Segundo o curador Knigge, há negociações em relação a outros países.
Esperanças de interesse por parte do Leste Europeu
   Acima de tudo, os historiadores envolvidos esperam que a mostra desperte o interesse de países da antiga União Soviética, onde muitos desses trabalhadores forçados ainda foram estigmatizados como traidores da pátria ao regressarem a seus países. A equipe  de organização da mostra já está, de qualquer forma, bem preparada caso a exposição desperte o interesse de outros países. O conceito da mostra foi desenvolvido em inglês, francês, polonês e russo.
Trabalhadores forçados eram também enforcados diante dos demais, como forma de ameaça e coaçãoTrabalhadores forçados eram também enforcados diante dos demais, como forma de ameaça e coação















   Os visitantes da exposição deverão apreender também algumas informações acerca do pós-guerra, especialmente a respeito da repressão do tema "trabalho forçado". Isso ao ponto de, no ano de 1951, em Landsberg, milhares de pessoas terem ido às ruas protestar contra a execução de criminosos de guerra nazistas, que haviam sido condenados. O inacreditável lema dos protestos na época era: "Manifestação contra a desumanidade".   
Indenizações são "justiça restrita"
   Transcorreu mais de meio século até que o Estado alemão e as empresas do país – maiores beneficiadas com o trabalho forçado – indenizariam as vítimas, o que só ocorreu devido à grande pressão internacional.
   O historiador Jens-Christian Wagner, também membro da equipe responsável pela exposição em Berlim, define as indenizações tardias como "justiça restrita". A ajuda humanitária aos sobreviventes do trabalho forçado só aconteceu quando 80% deles já haviam morrido, ressalta o historiador.
   "E é preciso dizer com clareza que grupos grandes de trabalhadores forçados, como os prisioneiros de guerra soviéticos ou os italianos em internamento militar, nunca foram indenizados", lamenta Wagner. Ou seja, a história do trabalho forçado não chegou ao fim e nos arquivos ainda há muito material a ser descoberto e avaliado, completa o historiador.
Na fila com Imre Kertész
   O polonês Marian Turski, que construiu estradas no campo de concentração de Auschwitz e trabalhou ao lado do escritor húngaro Imre Kertész, Nobel de Literatura, em Buchenwald, lamenta que apenas poucos dos sobreviventes em seu país possam ver a exposição.
   "Os sobreviventes já estão, em sua maioria, idosos demais. E grande parte deles vive no interior do país. Para eles vai ser provavelmente difícil ir até Varsóvia para ver a mostra", completa Turski.
    Depois de alguns segundos de hesitação, ele acrescenta como é realmente importante, contudo, que as próximas gerações, através desta exposição, aprendam mais sobre os crimes do regime nazista, acerca dos quais tantos silenciaram por tanto tempo.
Autor: Marcel Fürstenau (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer
 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Era Napoleônica: tecnologia militar

por Natalia Yudenitsch

   A era napoleônica foi rica em invenções. As reformas educacionais, somadas à filosofia iluminista do século 18, que celebrava a ciência e a razão, levaram a um desenvolvimento do saber em todas as áreas do conhecimento. As constantes guerras que marcaram o período foram também as responsáveis por um sem-número de descobertas e aperfeiçoamentos no campo militar, como o pára-quedas. Apesar de já existir desde o século 12 na China e ter sido esquematizado por Leonardo da Vinci em 1485, ele foi reinventado na França em 1783 por Sébastien Lenormand e, dois anos depois, usado por Jean-Pierre Blanchard para demonstrar um salto de seu balão. Veja a seguir os inventos que entraram para a história das guerras.
Telégrafo óptico
   A palavra telégrafo vem dos gregos tele (longe) e grapho (escrevo) - "escrever a distância". Quem colocou o conceito no mapa das guerras foi o francês Claude Chappe. Em 1792, ele instalou um sistema de telégrafo óptico entre as cidades de Paris e Lille. A linha de semáforos tinha duas réguas articuladas de madeira e uma terceira conectando as duas instaladas no topo de torres. A possibilidade das posições das réguas, que tinham entre 1 e 9 m, chegava a 196 combinações, que repassavam frases por símbolos codificados. O sistema era simples e eficiente, e transmitia um símbolo por todas as 15 torres através de cerca de 190 km, em menos de dez minutos. Uma mensagem típica tinha cerca de 36 símbolos. O sucesso desse primeiro sistema levou à construção de outras linhas, usadas por Napoleão para coordenar seus exércitos por toda a Europa.
Nautilus
   Em 1800, o inventor americano Robert Fulton adicionou uma nova palavra ao dicionário naval: torpedo. Sua criação, o submarino Nautilus, foi o primeiro a oferecer a possibilidade de afundar navios inimigos através do disparo de bólidos explosivos recheados de pólvora. Com 6,50 m de comprimento, estrutura de ferro coberta de placas de cobre e lemes para o controle vertical, ele permitia que quatro passageiros ficassem submersos por até seis horas. Apresentava ainda uma torre de observação e propulsores operados manualmente. Financiado por Napoleão, o invento, contudo, não agradou. Mesmo depois de afundar uma escuna de quatro mastros, os franceses cortaram seu patrocínio em 1804. No ano seguinte, Fulton tentou vender o Nautilus aos britânicos, ao afundar um veleiro de 3 toneladas. Os ingleses também não se impressionaram. O motivo das recusas era a incapacidade de o submarino acompanhar a velocidade das esquadras navais, perdendo seu diferencial estratégico.
Comida enlatada
   Manter as rações diárias do exército durante a marcha pela conquista do continente. Esse era o objetivo de Napoleão quando, em 1800, mandou anunciar uma recompensa de 12 mil francos para quem inventasse uma forma barata e eficiente de armazenar grandes quantidades de comida por longos períodos de tempo. A tarefa foi levada a sério pelo confeiteiro francês Nicolas François Appert. Após anos de testes, em 1809 ele faturou o grande prêmio ao apresentar sua criação: a comida enlatada. O método consistia em selar a vácuo vidros cheios de alimentos. Devido à fragilidade do material, contudo, os potes logo foram substituídos por recipientes de aço ou latão. Detalhe: o abridor de latas só foi inventado 30 anos depois. Na prática, porém, o invento teve um início de vida difícil. A dificuldade de enlatar a comida em massa, somada ao lento esquema de carregar e transportar as latas, atrasou tanto o processo que o aperfeiçoamento só aconteceu depois da guerra. Para azar do inventor francês, sua fábrica de enlatados, construída com o dinheiro do prêmio, foi queimada em 1814 durante a invasão da França pelas tropas aliadas. Com o fim das Guerras Napoleônicas e o gradual crescimento da população urbana, os enlatados se popularizaram por toda a Europa e os Estados Unidos.
O explosivo Shrapnel Shell
   O exército britânico foi o primeiro a usar as munições explosivas mais conhecidas como shrapnel shell, em homenagem a seu inventor, o então tenente da Artilharia Real Britânica Henry Shrapnel. Em 1784, bancando o desenvolvimento do invento de seu próprio bolso, Shrapnel mostrou a seus colegas uma bala de canhão oca recheada de projéteis de chumbo, que explodiam no ar após o disparo. Os oficiais se interessaram, mas não o suficiente. Em 1787, o tenente aperfeiçoou ainda mais a munição, demonstrando o estrago feito por um projétil de morteiro com cerca de 200 balas de mosquete misturadas com pólvora. Apesar da aprovação dos generais, nada foi feito, até que, em 1792, Shrapnel conseguisse convencer um comitê do alto comando inglês a examinar a proposta de adicionar as balas explosivas ao arsenal do exército. A apresentação se deu em 3 de junho de 1803. Foi então montada uma linha de produção para a manufatura. No ano seguinte, depois que sua criação foi usada com sucesso em batalha, Shrapnel foi promovido a tenente-coronel.
Pólvora sem fumaça
   Durante as Guerras Napoleônicas, uma das principais reclamações dos oficiais era a dificuldade em coordenar seus exércitos em campos de batalha quase invisíveis por causa da fumaça deixada pelas armas utilizadas. A solução só veio em 1886, quando o químico francês Paul Marie Eugène Vieille inventou a primeira pólvora sem fumaça, batizada de Poudre B (do francês poudre blanche, ou pó branco). À base de nitrocelulose misturada a álcool e éter, ela revolucionou o uso das armas de fogo nos combates. Comparada à pólvora negra, a pólvora química, como também é conhecida, permite mais mira e pressão com menor quantidade, produz menos fumaça e resíduos e ainda mantém o poder de explosão mesmo quando úmida. A Poudre B foi para combate no fim do mesmo ano nos rifles Rebel 1886, usados pela infantaria francesa.

Fonte: Revista Aventuras na História