quinta-feira, 31 de março de 2011

Você pensa que lagosta é peixe?
Exploração do crustáceo no Nordeste gerou crise diplomática entre Brasil e França e quase vira conflito militar.
Cláudio da Costa Braga

Um inocente crustáceo foi a causa de uma das maiores crises diplomáticas da história entre Brasil e França, que quase chegou às vias militares mas também teve contornos cômicos. 

O imbróglio, que ficou conhecido como Guerra da Lagosta, teve início no começo da década de 1960, quando barcos franceses passaram a pescar no litoral de Pernambuco. Depois de esgotar a captura da lagosta em seu próprio litoral e nos países da costa ocidental africana, a França se interessou pelo Nordeste brasileiro, onde a produção crescia a olhos vistos. A exportação anual de lagosta pulou de 40 toneladas, em 1955, para 1.741 toneladas em 1961. O Brasil lucrava quase 3 milhões de dólares por ano com esse comércio, que se concentrava nos portos de Fortaleza e Recife.

Os primeiros barcos franceses chegaram em março de 1961, depois de obterem autorização para realizar “pesquisas” em nosso litoral. Ao constatar que as embarcações estavam pescando lagostas em grande escala, a Marinha cancelou a licença. Em novembro a França voltou à carga, desta vez pedindo para atuar fora das águas territoriais brasileiras, na região da plataforma continental – faixa submersa até 200 metros de profundidade que pertence ao país, mas cujas águas são livres para exploração internacional. Autorização concedida, começaram os problemas.

Em janeiro de 1962, um pesqueiro francês chamado Cassiopée foi flagrado capturando lagostas e apresado pela corveta brasileira Ipiranga. O incidente abriu uma curiosa discussão diplomática a respeito da natureza do animal em questão. A Convenção de Genebra, assinada em 1958, assegurava que os recursos minerais, biológicos, animais ou vegetais da plataforma continental pertencem ao país costeiro. Com base nesse tratado, o Brasil alegava que a lagosta era um recurso pertencente à plataforma, devido à sua natureza sedentária: para se deslocar caminhava, ou no máximo executava saltos. Em resumo, não nadava.


Em resposta, o governo francês saiu-se com o argumento oposto: a lagosta pode ser considerada um peixe. Ao se mover pelas águas de um lado para o outro, ela certamente não estava andando, e portanto não era um recurso da plataforma. O objetivo era deslocar o assunto para o campo da pesca em alto-mar, permitida pela Convenção. 

Para derrubar a lógica francesa, o comandante Paulo de Castro Moreira da Silva (1919-1983), renomado oceanógrafo, defendeu o Brasil com uma pérola de ironia: “Ora, estamos diante de uma argumentação interessante: por analogia, se a lagosta é um peixe porque se desloca dando saltos, então o canguru é uma ave”.


Um prato cheio para a pilhéria, a Guerra da Lagosta virou até marchinha de Carnaval. Os versos consagrados de “Você pensa que cachaça é água?”, sucesso em 1953, foram adaptados nos salões para “Você pensa que lagosta é peixe?”. Mas a repercussão do caso era levada a sério pelos jornais. Afinal, nenhum dos países dava o braço a torcer: os franceses continuavam pescando lagostas, e a Marinha brasileira apresava os barcos que conseguia pegar em flagrante. A carga era apreendida e os capitães tinham que assinar um termo se comprometendo a não mais voltar à costa brasileira. Mas muitos voltavam.

Os pescadores nordestinos iniciaram protestos gerando forte pressão sobre o governo. Ameaçavam agir diretamente contra os pesqueiros franceses e seus representantes em terra para a defesa de seus interesses. Queixavam-se de concorrência desleal: além de maiores e mais bem equipadas do que as nossas, as embarcações francesas eram acusadas de praticar a pesca de arrasto, modalidade proibida no Brasil por seu caráter predatório – uma rede pesada é lançada ao fundo e recolhe tudo o que encontra pela frente. Os brasileiros capturavam lagostas com o tradicional covo, uma espécie de armadilha em que o animal entra e fica preso.

A situação ficou ainda mais tensa no início de 1963. No dia 30 de janeiro, um navio de patrulha detectou a presença de pesqueiros franceses na região, e como estes ignoraram a ordem para se retirar, recebeu ordens da Marinha para “usar a força na medida do necessário”. Diante da ameaça de um ataque, os franceses mudaram de idéia. O problema é que, dias depois, os barcos e suas cargas não apenas foram liberados como o presidente João Goulart, quebrando o protocolo das negociações, concedeu pessoalmente ao embaixador da França no Brasil, Jacques Baeyens, autorização para que seis pesqueiros voltassem a capturar lagostas na região. 

O clamor público foi tamanho que a autorização foi suspensa. Era a vez dos franceses protestarem. O chanceler francês afirmou não aceitar a decisão brasileira. A ira se alastrou pelo governo da França, o que resultou na popularização da frase “O Brasil não é um país sério”, erroneamente atribuída ao presidente Charles De Gaulle. Mas ele se envolveu diretamente na crise: por ordem sua, a França enviou um navio de guerra para a região com a tarefa de proteger os pesqueiros franceses. João Goulart imediatamente determinou uma resposta militar. O Conselho de Segurança Nacional foi convocado para discutir sobre a salvaguarda de nossa soberania sob ameaça militar estrangeira. 

Diversos navios foram enviados para o litoral de Pernambuco, enquanto os de Salvador entraram em prontidão rigorosa. Esquadrões de aeronaves foram deslocados para Natal e Recife. A mobilização foi rápida mas intempestiva, revelando as grandes restrições materiais dos nossos navios, principalmente no aspecto logístico, na manutenção precária e na necessidade de muitos reparos. As restrições de munição e torpedos eram tão críticas que não permitiam aos navios manter um engajamento por mais de trinta minutos.

Na opinião pública, a guerra estava declarada. “Navios franceses atacam no Nordeste jangadeiros que pescam lagosta”, estampou o Correio da Manhã. “Frota naval da França ronda costa do Brasil”, anunciou o Última Hora. Enquanto isso, nos jornais franceses, por mais de uma vez as autoridades vieram a público lembrar que seu país detinha tecnologia nuclear, ao contrário do Brasil. 

Nos bastidores diplomáticos, havia outras questões em jogo. A França imaginava que a postura firme do governo brasileiro estaria sendo respaldada pelos Estados Unidos, num apoio não declarado. Era uma suposição equivocada. Na época, o Departamento de Estado americano enviou mensagem ao Brasil lembrando que nossos navios de guerra – na época arrendados aos Estados Unidos – por contrato não poderiam se envolver em conflito com países amigos dos norte-americanos. Ordenava por isso que eles voltassem imediatamente às suas bases. O Brasil recusou-se a atender ao pedido americano, mencionando o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) e usando um argumento caro aos brios militares daquele país: por ocasião do ataque à base de Pearl Harbor, em 1941, o Brasil declarara guerra ao Japão, em solidariedade aos Estados Unidos.

Por sorte, a Guerra da Lagosta não passou de uma indigesta hostilidade entre as nações. Em 10 de março de 1963, a França retirou seu navio de guerra e os pesqueiros por ele protegidos. O Brasil conseguia, assim, impedir a captura de lagostas em sua plataforma continental, apesar da intimidação militar de um país com poderio bélico muito maior. 

A crise foi uma demonstração de que, mesmo entre países tradicionalmente amigos, os Estados não estão isentos de serem ameaçados, até pelo uso da força, quando estão em jogo interesses econômicos.

Cláudio da Costa Braga é oficial da Marinha do Brasil e autor de A Guerra da Lagosta (Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha, 2004). 

Fonte: RHBN

segunda-feira, 28 de março de 2011

O Recife Endêmico
Agraciado por suas pessímas condições de estrutura urbana, o Recife de meados do século XIX, é gracejado por moléstias variadas
por Samuel Lima 
No século XIX, a cidade do Recife sofreu com um bom número de casos de endemias e epidemias na área de saúde pública. O fator preponderante para tal afirmativa, se baseava nas condições sanitaristas e estruturais que gosava a cidade em pleno decurso da primeira metade do século XIX.
Por ser um cidade fincada em áreas alagadas e no delta do Capibaribe-Beberibe, despossuída de um projeto urbano e de péssimas condições de abastecimento e esgotamento domiciliar, vira bate e mexe, o recife padecia de um surto endêmico que provocava, quase que sempre, um número elevado de mortandade da sua população urbana. Quando não era estes fatores os provocadores de moléstias, era o contato com viajantes e marinheiros infectados de outras regiões que aportavam aqui. Entre as principais moléstias que gracejaram a cidade causando um grande número de mortes, podemos destacar: a Cólera, a Febre Amarela, a Tuberculose e a Variola. Também ocorriam casos de surtos de diarréias que assolavam a população. A explicação dada pelo conselho médico no período, acusava o sistema de abastecimento público e seus maus cuidados com a captação e distribuição de água para a população, um destes médicos, Saturnino de Brito, alegava que essas diarrérias e dores abdominais eram causadas pelo chumbo que revestiam os canos de cobres que abasteciam os chafarizes da Companhia Beberibe.
A preocupação com a saúde pública, só começa a tomar maior impulso técnico a partir de 1840 quando é criado o Conselho Médico de Pernambuco, que possuía como visão, o tratamento de casos de doenças, a fiscalização e a aplicação de métodos para barrar tais problemas socias.
A situação de "penumbra" em que se encontrava o Recife de meados do XIX, só possui uma verdadeira intervenção para sua melhora a partir do impulso modernizante adotado pelo governo de Francisco do Rego Barros, empreendedor nato e de ótimo tino, amplia os horizontes sociais com um número de obras públicas, econômicas e sanitaristas como a criação da Companhia de abastecimento Beberibe, sistema de iluminação pública por meio da substituição da iluminação a óleos para iluminação a gás. Criação de um centro de formação de professores para o ensino primário, ordenamento e normatização de ruas e casa, tanto como calçamentos de ruas e aterros de áreas alagadas para o crescimento da urbs. Essas e outras foram as obras modernizantes adotadas pelo "Chico Macho", apelido dado pela população ao governante empreendedor.

sexta-feira, 25 de março de 2011

A comunidade do arrecife
Após serem expulsos do Recife, vinte e três judeus criaram uma comunidade na cidade que mais tarde receberia o nome de Nova York
Leonardo Dantas Silva

Em 5 de fevereiro de 1638,  Manuel Mendes de Castro, cristão-novo natural de Portugal, também chamado de Manuel Nehemias, chega ao Recife desejando criar uma colônia agrícola com 200 judeus, “entre ricos e pobres”, no Nordeste do Brasil. Seus planos não deram certo, conforme cartas do conde João Maurício de Nassau ao Alto Conselho, datadas de 19 de março e 23 de maio do mesmo ano, nas quais observa que “em vez de se encaminharem para o seu destino, aqui se dispersaram e cada um tomou o seu caminho tendo falecido o chefe”. 

Em 1635, com o domínio holandês consolidado na região, muitos judeus atravessaram o Atlântico para viver em Pernambuco, onde a comunidade do Recife mantinha a primeira sinagoga das Américas e era reconhecida em diversos lugares do mundo. 

Antes disso, alguns cristãos-novos [judeus obrigados a se converter ao catolicismo a partir de 1497] já haviam se instalado na região. Em 1542, Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira receberam terras nos arredores do Recife e logo montaram o Engenho Camaragibe. Em pouco tempo, outros cristãos-novos também se tornaram donos de propriedades açucareiras, mercadores e até mesmo rendeiros na cobrança dos dízimos ou responsáveis por empréstimos. Entre esses pioneiros destacava-se o português James Lopes da Costa, que virou proprietário do Engenho da Várzea em 1591. De volta à Europa sete anos depois, ele se fixou em Amsterdã, “a Jerusalém do Ocidente”, onde fundou a primeira sinagoga daquela cidade, a Bet Yahacob (Casa de Jacob). 

Em terras nordestinas, uma colônia judaica começou a se formar com a chegada dos holandeses. Com suas atenções voltadas para a América portuguesa, as Províncias Unidas dos Países Baixos, lideradas pela Holanda, criaram a Companhia das Índias Ocidentais (1621), empresa formada pela fusão de pequenas associações capitalistas. Já em 1624 invadiram a capital da Bahia de Todos os Santos, mas foram expulsos pelos luso-brasileiros com o auxílio da esquadra do rei da Espanha. Seis anos mais tarde, atraídos pela próspera produção dos engenhos de açúcar da região pernambucana, aportaram nas costas da capitania com 65 embarcações e 7.280 homens. Desse período até 1654, a área que hoje fica entre a foz do Rio São Francisco e o Maranhão era conhecida como Brasil Holandês.

Como a tolerância religiosa estava garantida nesses novos domínios, espanhóis e portugueses, católicos ou judeus, não eram “molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares”, conforme prescrevia o Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram conquistadas concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia, 13 de outubro de 1629. Por isso, Pernambuco acabou se tornando uma terra prometida para a população judaica originária de Portugal (os sefarditas) e de alguns poucos migrados da Polônia e da Alemanha (askenazins). No Recife, o grupo aumentava a cada dia, e a cidade já não tinha espaço para acomodar tantos negociantes. A solução veio com a compra de um terreno pelo judeu português Duarte Saraiva, mais conhecido como David Senior Coronel. A área ficava junto à Porta de Terra, no caminho de Olinda, e media oitenta pés de comprimento e sessenta de largura (24,34 m x 18,30 m). Rapidamente, outros lotes nas imediações também foram arrematados por ricos negociantes da comunidade. 

Nesse pedaço da cidade, chamado de Rua dos Judeus (Jodenstraat), funcionou a primeira sinagoga das Américas. A Kahal Kadosh Zur Israel, ou Santa Comunidade o Rochedo de Israel, fora criada por iniciativa de David Senior Coronel antes de 1636. Seu nome talvez fosse uma referência à topografia local. Na mesma época, o reverendo calvinista Joannes Baers (1580-1653) dizia que “o Recife é um arrecife”. No templo judaico, o célebre português Isaac Aboab da Fonseca (c.1605-1693) exerceu seu rabinato. Bisneto do último Gaon de Castilha (autoridade máxima no ensino e na interpretação da Lei), ele saíra de sua terra natal – o distrito de Viseu, na Beira Alta – ainda criança, passando por França, Holanda e Brasil, retornando em seguida a Amsterdã, onde foi responsável pela construção da Grande Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675. 

Até 1644, o rabino Aboab da Fonseca e os judeus da colônia desfrutaram de grande tolerância e prosperidade. Porém, com o retorno do conde João Maurício de Nassau aos Países Baixos, em maio daquele ano, as coisas começaram a mudar. Em 13 de junho do ano seguinte, os representantes dos proprietários de terra luso-brasileiros iniciaram um movimento para expulsar os exércitos da Companhia das Índias Ocidentais. A reação ficou conhecida como Insurreição Pernambucana. Dois meses após a deflagração dos conflitos, eles já haviam conquistado vitórias no Monte das Tabocas, na Casa Forte e no Cabo de Santo Agostinho. Com a cidade do Recife isolada, cerca de oito mil pessoas ficaram sem qualquer acesso aos alimentos produzidos na zona rural. A fome era tal que até ratos foram consumidos pela população. 

A ajuda da Holanda demorou a chegar. Somente em 22 de junho de 1646 os barcos Gulden Valk e Elizabeth aportaram em Pernambuco, trazendo soldados e comida. Com a derrota nas batalhas dos Montes Guararapes (1648 e 1649), os holandeses tiveram que depor as armas em 26 de janeiro de 1654. Cerca de 400 judeus moradores do Recife e de Maurícia (a ilha de Antonio Vaz) voltaram para os Países Baixos. Outros permaneceram pelas Américas, fundando novas colônias em ilhas do Caribe e na América do Norte. Um desses grupos saiu no navio Valk e fez uma primeira escala na Jamaica, onde acabou prisioneiro dos espanhóis. Depois de conseguir escapar com o apoio dos franceses, rumou para Nova Amsterdã a bordo do barco Sainte Catherine. Na nova terra, vinte e três adultos e crianças criaram a primeira comunidade de judeus da cidade que mais tarde ganharia o nome de Nova York.

Na capital de Pernambuco, a velha Rua dos Judeus, agora Rua do Bom Jesus, continuou guardando as memórias daqueles pioneiros. Desde 4 de setembro de 1998, os prédios de número 197 e 203 foram transformados, por um decreto do prefeito Roberto Magalhães Melo, em imóveis de utilidade pública. E voltaram a abrigar o Arquivo Judaico e a antiga sinagoga Zur Israel. 

Fonte: RHBN

quinta-feira, 24 de março de 2011


  Ocupação da América pode ter iniciado há pelo menos 15.500 anos


Descoberta no Texas mostra vestígios da época. Achado faz estimativa de chegada dos humanos recuar 2 mil anos.

 

Da France Presse



A descoberta no Texas de um sítio arqueológico contendo milhares de vestígios datando de 15.500 anos faz recuar em pelo menos 2 mil anos as estimativas de chegada dos primeiros ocupantes à América, além de colocar em dúvida a teoria atual sobre a colonização do continente.
Uma corrente aceita atualmente acredita que as primeiras tribos americanas faziam parte da cultura denominada Clóvis, com traços encontrados em vários pontos, a partir de 1932.
Segundo esta hipótese controversa, os portadores desta cultura, caracterizada por uma técnica muito particular de entalhe de pontas de sílex de dois gumes, teriam vindo da Ásia há cerca de 13.500 anos através do Estreito de Bering, durante a Era do Gelo. Eles teriam, em seguida, se espalhado por todo o continente, até chegar à América do Sul.
O novo sítio arqueológico texano, chamado "Debra L. Friedkin" e situado a cerca de 60 km ao noroeste de Austin, documenta com um número de indícios sem precedentes uma ocupação humana do continente americano anterior à cultura Clóvis.
O achado coloca em dúvida a teoria atual dos primeiros povos americanos, destacou Michael Waters, diretor do Centro de Estudos dos Primeiros Americanos da Universidade do Texas e principal autor do trabalho, publicado na revista americana Science, que estará nas bancas a partir desta sexta-feira, 25 de março.
Artefatos achados no Texas evidenciam ocupação humana na América do Norte há, pelo menos, 15.500 anos, recuando as estimativas anteriores em 2 mil anos (Foto: Michael R. Waters / Science / via AP Photo)Ocupação América 1 (Foto: Michael R. Waters / Science / via AP Photo)

"Essa descoberta nos força a repensar as origens da colonização das Américas", insistiu o pesquisador. "Não há dúvidas de que essas ferramentas e armas foram fabricadas por humanos e que têm cerca de 15.500 anos de idade, o que faz delas os vestígios mais antigos encontrados até hoje na América do Norte", acrescentou.
"Isso é importante para fazer avançar o debate sobre a data de chegada dos primeiros ocupantes das Américas, mas também para nos ajudar a compreender as origens da cultura Clóvis", segundo ele. Michael Waters destacou durante uma teleconferência que a teoria do povoamento do continente americano pela cultura Clóvis possui várias grandes falhas.
Por exemplo, não existe qualquer traço da "tecnologia" de entalhe de sílex dos Clóvis no nordeste da Ásia, de onde esses colonizadores teriam vindo. Ainda, as pontas de flechas de sílex descobertas no Alasca e que precediam em mil anos à chegada da tribo Clóvis foram fabricadas de forma diferente.
Enfim, acrescenta esse arqueólogo, seis sítios datando do mesmo período da "cultura Clóvis" descobertos na América do Sul não contêm qualquer traço que possa ser assimilado a essa "cultura".                                 
Ocupação América 2 (Foto: Michael R. Waters / Science / via AP Photo) Equipe trabalha no campo Debra L. Friedkin, nos EUA (Foto: Michael R. Waters / Science / via AP Photo)
"Esses fatos levam à conclusão de que os Clóvis não poderiam ser os primeiros americanos e que outros homens já se encontravam na América antes", completou o cientista.
Entre os indícios anteriores, o cientista menciona, principalmente, dois sítios no estado de Wisconsin datando de 14.200 a 14.800 anos, as cavernas de Paisley no estado de Oregon (14.100 anos) e Monte Verde, no sul da América do Sul (14.500 anos).
"Chegou a hora de abandonar de uma vez por todas a teoria da colonização dos Clóvis e elaborar um novo modelo que explique o povoamento das Américas. Nesse sentido, o sítio Debra L. Friedkin deu um grande passo em direção a essa nova compreensão dos primeiros habitantes do novo mundo", insistiu Michael Water.
A datação é feita por meio de uma técnica por luminescência, que calcula quando os sedimentos sobre os vestígios foram expostos à luz pela última vez.
Fonte: G1




Animal pré-histórico "gaucho" era herbívoro e tinha destes-de-sabre

Espécie também possuía dentes no céu da boca.Fóssil foi encontrado em março de 2009, na localidade de Tiaraju.


Mário BarraDo G1, em São Paulo
Um animal que viveu há mais de 260 milhões de anos teria sido o primeiro terápsido - ancestral dos mamíferos - a possuir dentes-de-sabre, além de dentes parecidos com os da capirava, mas localizados no céu da boca (palato). O fóssil da nova espécie (Tiarajudens eccentricus) foi descoberto por uma equipe de pesquisadores na região de Tiaraju, perto de São Gabriel, no Rio Grande do Sul.
A novidade é tema da edição desta semana da revista "Science", da Associação Americana para Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês), umas das principais publicações científicas do mundo.

O professor Juan Carlos Cisneros, da Universidade Federal do Piauí (UFPI) e um dos autores do estudo, explicou em entrevista ao G1 que este animal possui características únicas entre os que viveram na Era Paleozoica (entre 550 milhões a 250 milhões de anos atrás).
Tiarajurens 1 (Foto: Cortesia Juan Carlos Cisneros)

Ossos do Tiarajudens eccentricus mostram dente-de-sabre e dentes no interior da boca (à direita), traços que diferenciam a espécie de outros terápsidos (Foto: Cortesia Juan Carlos Cisneros)
"Não se conhece nenhum outro animal com esse tipo de dente que seja herbívoro neste período", afirma o paleontólogo. "Carnívoros com dentes-de-sabre até existiam, mas nenhum herbívoro. Pelo menos não nessa época tão distante."
Segundo os pesquisadores, a espécie descoberta no Rio Grande do Sul possuia o tamanho de uma anta e tinha dentes muito parecidos com os de uma capivara, porém localizados no céu da boca.
"A forma como esse animal triturava alimentos é muito diferente do que temos hoje. Ele mascava com o céu da boca, não tinha dentes nas margens, como nós e outros animais temos", explica o especialista.
Somente outras duas espécies de répteis conseguiam processar alimentos como oTiarajudens eccentricus na época em que ele teria vivido - entre 265 milhões a 260 milhões de anos atrás.
"Isso é uma novidade evolutiva. Provavelmente esse animal tinha uma capacidade de mastigar muito boa", diz o professor.
Procura pelo animal
Para descobrir a ossada, a equipe de Juan Carlos Cisneros vasculhou a região de Tiaraju, próxima à cidade de São Gabriel, em busca de rochas com idade parecida com a doTiarajudens eccentricus.
"Nada aconteceu por acaso, nós estávamos pesquisando em uma área onde ossos como esses seriam próvaveis de aparecer", diz Juan Carlos. A prospecção começou em 2008.
Após detectarem os restos conservados do terápsido em março de 2009, um trabalho de limpeza cuidadosa e colagem dos fragmentos de ossos foi feito. "Assim que o esqueleto vai sendo montado, é possível enxergar melhor as características da anatomia do animal. Aos poucos, dá para saber com que tipo de terápsido estamos lidando", afirma o cientista. "Todo esse trabalho nunca se faz em menos de um ano."
A pesquisa divulgada na publicação americana trata somente dos dentes do animal, mas Cisneros afirma que estudos posteriores com membros anteriores e inferiores já iniciaram.
Tiarajurens 2 (Foto: Cortesia Juan Carlos Cisneros)
Desenho mostra como seria o animal, com dentes-de-sabre salientes e outros similares aos de capiravas, ideais para tritutar vegetais fibrosos. (Crédito: Cortesia Juan Carlos Cisneros)

sábado, 19 de março de 2011


Os brutos que conquistaram o Brasil

Eles eram bárbaros sanguinários. Matavam velhos e crianças e escravizavam por dinheiro. Mas sem os bandeirantes o país terminaria em São Paulo.


Por André Toral, com Giuliana Bastos

Ilha do Bananal, atual Estado de Tocantins, ano de 1750. Um grupo de homens descalços, sujos e famintos se aproxima de uma aldeia carajá. Cautelosamente, convencem os índios a permitir que acampem na vizinhança. Aos poucos, ganham a amizade dos anfitriões. Um belo dia, entretanto, mostram a que vieram. De surpresa, durante a madrugada, invadem a aldeia. Os índios são acordados pelo barulho de tiros de mosquetão e correntes arrastando. Muitos tombam antes de perceber a traição. Mulheres e crianças gritam e são silenciadas a golpes de machete. Os sobreviventes do massacre, feridos e acorrentados, iniciam, sob chicote, uma marcha de 1 500 quilômetros até a vila de São Paulo — como escravos.
Foi assim, à força, que os bandeirantes conquistaram o Brasil. Caçadores profissionais de gente, chegaram a lugares com os quais Pedro Álvares Cabral nem sonharia. Nas andanças em busca de ouro e índios para apresar, descobriram o Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Tocantins. Percorreram e atacaram povoações espanholas nos atuais Peru, Argentina, Bolívia, Uruguai e Paraguai. Espalharam o terror entre os povos do interior do continente e expandiram as fronteiras da América portuguesa. Uma história brutal. Mas, se não fossem eles, você talvez falasse espanhol hoje. Os maiores trunfos desse avanço eram o conhecimento do sertão e uma disposição que intrigava até os inimigos. O padre jesuíta espanhol Antonio Ruiz de Montoya (1585-1652), por exemplo, escreveu que os paulistas, a pé e descalços, andavam mais de 2 000 quilômetros por vales e montes "como se passeassem nas ruas de Madri". A coragem deles também era extraordinária. Além de terras desconhecidas, sempre enfrentaram temíveis grupos indígenas dispostos à briga. E nem sempre se davam bem. Muitos morreram de fome, em terras estéreis, ou crivados de flechas.
Os grandes perdedores, no entanto, foram os índios. Nas tribos visitadas pelos bandeirantes não ficava palha sobre palha. Muitos territórios viraram desertos humanos, ocupados, depois, por súditos portugueses. Por isso, hoje quase não se vêem índios em São Paulo, Minas Gerais, na Bahia e no Nordeste em geral. No aniversário de 500 anos do Descobrimento, a SUPER traz um retrato desses homens e da aventura que desenhou, com violência, um novo mapa do Brasil.

De costas para o mar, de olho no sertão
De todos os núcleos de colonização portuguesa no Brasil do século XVI, São Paulo era o único que não ficava no litoral e não dependia do comércio com a Europa. A sobrevivência da vila, nos seus primórdios, era garantida pela esperta política de alianças do cacique tupiniquim Tibiriçá, que havia casado sua filha com o português João Ramalho. Seus guerreiros conseguiam cativos de outras tribos para as lavouras dos primeiros colonos.
Ao perceber que não conseguiria chegar pelo sul do Brasil às cobiçadas minas de ouro e prata do Peru, a Coroa portuguesa abandonou os paulistas à própria sorte. Aos bandeirantes restou a exploração do ouro vermelho, os índios. Assim começou o "negócio do sertão", como era chamado o ofício da caça de gente, base da economia paulista até o século XVIII.
A mão-de-obra escrava foi a base do desenvolvimento de prósperas plantações de trigo no século XVI ao XVII, vizinhas à cidade. Áreas rurais, como Cotia e Santana de Parnaíba, abasteciam São Vicente e Rio de Janeiro, os centros produtores de açúcar, a maior mercadoria da colônia.
"Até há pouco pensava-se que os bandeirantes capturavam índios para exportar para as plantações de cana no litoral", disse à SUPER o historiador John Monteiro, da Universidade Estadual de Campinas. "Mas hoje sabemos que a maioria dos cativos ia para as lavouras dos próprios bandeirantes", ressalta. Enquanto houve índios, o interior de São Paulo foi o celeiro do Brasil colonial.
Se o campo era rico, o mesmo não se pode dizer da precária vila, que em 1601 tinha apenas 1 500 habitantes. Em nada se comparava à solidez dos núcleos canavieiros do Nordeste, como Olinda ou Salvador. São Paulo era umas poucas casas de pau-a-pique espalhadas no meio do mato, entre ruas sujas e barrentas (veja infográfico).
Um visitante sofreria para achar um endereço. Primeiro porque as ruas não tinham nome. Depois, não conseguiria, mesmo, entender os paulistas: quase todos eles eram índios ou mestiços e falavam a "língua geral", um dialeto tupi. Aliás, o nome completo da vila era São Paulo de Piratinininga, que quer dizer "peixe seco" no idioma indígena. O português era de uso quase exclusivo da minoria branca. Segundo o historiador Sérgio Buarque de Holanda, 83% da população paulista no século XVII era indígena. O bilingüismo só acabaria de vez em 1759, quanto a língua geral foi proibida pelas autoridades portuguesas, por decreto.
Em São Paulo, rico era quem tinha talheres — só dez famílias possuíam — e camas. Isso mesmo: camas. Em 1620, um representante do rei de Portugal em visita à cidade simplesmente não tinha onde dormir. A solução foi confiscar a única cama decente da cidade, que pertencia a um cidadão chamado Gonçalo Pires.

Por cima do Tratado de Tordesilhas
A cidade de Guaíra é hoje um discreto centro produtor de soja com 30 000 habitantes, 680 quilômetros a oeste de Curitiba, no Paraná. Em 1600, no entanto, tinha importância estratégica. Chamava-se Ciudad Real del Guayra e era capital da província de Guayrá, subordinada a Assunção, capital do Vice-Reinado do Prata espanhol. O Guayrá abrangia 80% do atual território paranaense.
Localizada dentro das terras atribuídas à Espanha pelo Tratado de Tordesilhas — que em 1492 dividira os territórios espanhóis e portugueses na América — a província abrigava vilas espanholas e doze missões jesuíticas, que congregavam grande parte dos índios guaranis da região. Era uma verdadeira mina de escravos para os paulistas, já que os guaranis eram um povo agrícola que falava um idioma semelhante à lingua geral de São Paulo. Só que os padres e fazendeiros espanhóis impediam o acesso dos índios aos colonos portugueses. Por isso, os moradores de São Paulo defendiam abertamente uma invasão militar da região. Mas Portugal insistia em manter uma política de boa vizinhança com os espanhóis e respeitar a fronteira.
Foram os próprios castelhanos que cutucaram a onça primeiro e vieram apresar índios perto de São Paulo. Era a desculpa que os bandeirantes esperavam. Em 1619, um exército de 2 000 índios e 900 mestiços invadiu aldeias e missões no Guairá, capturando guaranis. Hordas foram enviadas acorrentadas para São Paulo. Era o começo do fim do Tratado de Tordesilhas.
Nos anos seguintes o território das missões sofreu na mão dos bandeirantes. Logo as expedições militares que partiam de São Paulo passaram a atacar também as missões de Tape, conquistando a maior parte das terras que séculos depois formaria o atual Estado do Rio Grande do Sul, além das missões do Itatim, hoje no sul do Mato Grosso do Sul. Segundo o historiador John Monteiro, até 1641 os paulistas destruíram entre onze e catorze missões jesuíticas espanholas. Cada uma tinha entre 3 000 e 5 000 índios, o que daria entre 33 000 e 55 000 índios escravizados.
Nesse apresamento, os bandeirantes tiveram um auxiliar poderoso: as epidemias contraídas pelos índios dos espanhóis, uma vez aldeados nas missões. "Muitas vitórias dos bandeirantes no Guayrá podem ter ocorrido porque os guaranis já estavam enfraquecidos pelas doenças", ressalta o arqueólogo Francisco Noelli, da Universidade Federal de Maringá, no Paraná.
O avanço dos paulistas sobre o território espanhol só diminuiu depois da derrota para os guaranis na Batalha de M’bororé, em 1641 (veja acima). Depois daquela data, a caça ao índio passou a ser praticada por expedições menores. Uma vez encerrado o apresamento fácil dos bons escravos guaranis nas missões, os bandeirantes mudaram de rumo: passaram a buscar, no noroeste de São Paulo, índios mais selvagens, que não plantavam e não falavam tupi, os bravos jês. Viraram-se para o Centro-Oeste.

A corrida em busca de ouro
Sem os escravos guaranis, as plantações de São Paulo entraram em declínio. Os recursos passaram a ser canalizados para a busca de ouro e pedras preciosas, como esmeraldas, mais ao norte. As bandeiras se esticaram. Em 1648, Antonio Raposo Tavares (1598-1659) viajou 10 000 quilômetros a pé e de canoa, de São Paulo ao Paraguai, e de lá até Mato Grosso, Amazonas e Pará. Andou quatro anos.
Ao mesmo tempo, as expedições de apresamento de índios tornaram-se menores, multiplicando-se as armações, as entradas familiares que reuniam uns vinte homens. Eram modestas, mas eficientes. Uma das tribos sistematicamente caçadas e escravizadas a partir de 1670, a dos goyás, acabou dando o nome ao Estado onde vivia: Goiás.
Em 1692 a persistência expansionista foi recompensada com a descoberta de jazidas em Ouro Preto, no atual Estado de Minas Gerais. Tão logo a notícia do ouro chegou a Portugal, a Coroa distribuiu os direitos de exploração a lusos e comerciantes do Rio de Janeiro, passando a perna nos bandeirantes. Para piorar, contrabandistas da Bahia também se meteram por ali. Os paulistas reagiram. Em 1709, armaram-se em bandos de índios e mamelucos e partiram para cima dos forasteiros, chamados de emboabas ("galinhas de bota", em tupi). A Guerra dos Emboabas acabou em 1711 com a expulsão dos paulistas. Com eles fora, em 1720, criou-se a capitania de Minas Gerais. Vila Rica de Ouro Preto virou capital.
Aos bandeirates restou continuar procurando ouro. Alguns, como Bartolomeu Bueno da Silva (1672-1740), o Anhangüera, partiram atrás da mítica Serra dos Martírios, cujos montes — dizia-se — eram feitos de ouro puro. Depois de três anos vagando pelo cerrado, Anhangüera achou metal precioso nas terras dos goyás e fundou, em 1725, a cidade de Goiás.
As descobertas atraíam bandeirantes como ímã, mas não só eles. Em 1719, quando a notícia da descoberta das minas de Cuiabá chegou a São Paulo, seus habitantes migraram em massa em direção às lavras do distante arraial. Surgiram, assim, as monções — as expedições fluviais.
Mas chegar até o eldorado não era fácil. O extermínio dos guaranis-itatim do Mato Grosso, décadas antes, havia provocado um efeito colateral: a migração dos paiaguás para o Rio Paraguai, bem na rota das monções. Os paiaguás formavam frotas para assaltar os barcos dos paulistas. Para complicar, eles se aliaram a outra poderosa tribo, a dos guaicurus, que usavam cavalos roubados dos espanhóis. O poderio dessa aliança indígena foi suficiente para levar os castelhanos, em 1740, a fazer um tratado de paz com eles, algo inédito na América até então. Em 1727, depois do massacre de uma monção, os portugueses declararam guerra aos índios. Os conflitos terminariam em 1782, com um armistício. Os guaicurus, que atualmente se chamam kadiwéus e moram no Mato Grosso do Sul, até hoje se orgulham disso.

Tropa de choque no Nordeste
O bispo de Olinda, dom Francisco de Lima, ficou horrorizado quando recebeu, em 1694, a visita do paulista Domingos Jorge Velho. Diria depois que "era o maior selvagem com quem já havia topado" e que foi preciso um intérprete, pois o brutamontes só falava tupi. O bandeirante havia sido contratado pelo governador de Pernambuco para acabar com o pesadelo dos senhores de engenho nordestinos: o Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, oeste de Alagoas. Palmares era um conjunto de aldeias fortificadas que abrigava escravos fugidos — mas também índios, muçulmanos, brancos marginalizados e judeus (veja SUPER nº 11, ano 9). Desde 1654, seus guerreiros resistiam aos holandeses e às expedições militares mandadas contra eles. Mas não resistiriam aos índios e mestiços guerreiros do "selvagem" Jorge Velho — que, aliás, falava e escrevia em português. O bispo exagerou no desdém.
Como Domingos Jorge Velho, outros bandeirantes embarcaram para o Nordeste entre 1657 e 1720 atendendo a chamados de administradores regionais. O objetivo era combater grupos indígenas que não aceitavam a ocupação de suas terras pelos criadores de gado. As guerras contra os índios eram consideradas "justas" e os cativos eram declarados escravos. Criou-se assim o "sertanismo de contrato", com bandeirantes convertidos em mercenários, recebendo os índios que capturassem como pagamento. O resultado foi a eliminação de vários grupos nordestinos, como os anayos, os maracás e os janduins. Muitos paulistas receberam terras e viraram criadores de gado na região do Rio São Francisco.
Com o fim da expansão mineradora e das guerras contra os índios no Nordeste, o ímpeto bandeirante arrefeceu. Em São Paulo, o declínio demográfico dos escravos e a dificuldade crescente de repor a mão-de-obra das fazendas do interior acabou pondo a economia paulista em xeque. Na primeira metade do século XVIII, sem índios e sem poder comprar escravos africanos, que custavam o dobro, as lavouras do interior paulista se estagnaram. Com isso, o "negócio do sertão" perdeu o motor. Os bandeirantes, que se lançaram como gafanhotos sobre o sertão por 200 anos, haviam descoberto um novo país. Mas acabaram tão pobres quanto antes.

Para saber mais
Negros da Terra — Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo, John Manuel Monteiro, Cia. das Letras, 1994.