A comunidade do arrecife |
Após serem expulsos do Recife, vinte e três judeus criaram uma comunidade na cidade que mais tarde receberia o nome de Nova York |
Leonardo Dantas Silva |
Em 5 de fevereiro de 1638, Manuel Mendes de Castro, cristão-novo natural de Portugal, também chamado de Manuel Nehemias, chega ao Recife desejando criar uma colônia agrícola com 200 judeus, “entre ricos e pobres”, no Nordeste do Brasil. Seus planos não deram certo, conforme cartas do conde João Maurício de Nassau ao Alto Conselho, datadas de 19 de março e 23 de maio do mesmo ano, nas quais observa que “em vez de se encaminharem para o seu destino, aqui se dispersaram e cada um tomou o seu caminho tendo falecido o chefe”. Em 1635, com o domínio holandês consolidado na região, muitos judeus atravessaram o Atlântico para viver em Pernambuco, onde a comunidade do Recife mantinha a primeira sinagoga das Américas e era reconhecida em diversos lugares do mundo. Antes disso, alguns cristãos-novos [judeus obrigados a se converter ao catolicismo a partir de 1497] já haviam se instalado na região. Em 1542, Diogo Fernandes e Pedro Álvares Madeira receberam terras nos arredores do Recife e logo montaram o Engenho Camaragibe. Em pouco tempo, outros cristãos-novos também se tornaram donos de propriedades açucareiras, mercadores e até mesmo rendeiros na cobrança dos dízimos ou responsáveis por empréstimos. Entre esses pioneiros destacava-se o português James Lopes da Costa, que virou proprietário do Engenho da Várzea em 1591. De volta à Europa sete anos depois, ele se fixou em Amsterdã, “a Jerusalém do Ocidente”, onde fundou a primeira sinagoga daquela cidade, a Bet Yahacob (Casa de Jacob). Em terras nordestinas, uma colônia judaica começou a se formar com a chegada dos holandeses. Com suas atenções voltadas para a América portuguesa, as Províncias Unidas dos Países Baixos, lideradas pela Holanda, criaram a Companhia das Índias Ocidentais (1621), empresa formada pela fusão de pequenas associações capitalistas. Já em 1624 invadiram a capital da Bahia de Todos os Santos, mas foram expulsos pelos luso-brasileiros com o auxílio da esquadra do rei da Espanha. Seis anos mais tarde, atraídos pela próspera produção dos engenhos de açúcar da região pernambucana, aportaram nas costas da capitania com 65 embarcações e 7.280 homens. Desse período até 1654, a área que hoje fica entre a foz do Rio São Francisco e o Maranhão era conhecida como Brasil Holandês. Como a tolerância religiosa estava garantida nesses novos domínios, espanhóis e portugueses, católicos ou judeus, não eram “molestados ou sujeitos a indagações em suas consciências ou em suas casas particulares”, conforme prescrevia o Regimento do governo das praças conquistadas ou que foram conquistadas concedido pelos Estados à Companhia das Índias Ocidentais, datado de Haia, 13 de outubro de 1629. Por isso, Pernambuco acabou se tornando uma terra prometida para a população judaica originária de Portugal (os sefarditas) e de alguns poucos migrados da Polônia e da Alemanha (askenazins). No Recife, o grupo aumentava a cada dia, e a cidade já não tinha espaço para acomodar tantos negociantes. A solução veio com a compra de um terreno pelo judeu português Duarte Saraiva, mais conhecido como David Senior Coronel. A área ficava junto à Porta de Terra, no caminho de Olinda, e media oitenta pés de comprimento e sessenta de largura (24,34 m x 18,30 m). Rapidamente, outros lotes nas imediações também foram arrematados por ricos negociantes da comunidade. Nesse pedaço da cidade, chamado de Rua dos Judeus (Jodenstraat), funcionou a primeira sinagoga das Américas. A Kahal Kadosh Zur Israel, ou Santa Comunidade o Rochedo de Israel, fora criada por iniciativa de David Senior Coronel antes de 1636. Seu nome talvez fosse uma referência à topografia local. Na mesma época, o reverendo calvinista Joannes Baers (1580-1653) dizia que “o Recife é um arrecife”. No templo judaico, o célebre português Isaac Aboab da Fonseca (c.1605-1693) exerceu seu rabinato. Bisneto do último Gaon de Castilha (autoridade máxima no ensino e na interpretação da Lei), ele saíra de sua terra natal – o distrito de Viseu, na Beira Alta – ainda criança, passando por França, Holanda e Brasil, retornando em seguida a Amsterdã, onde foi responsável pela construção da Grande Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675. Até 1644, o rabino Aboab da Fonseca e os judeus da colônia desfrutaram de grande tolerância e prosperidade. Porém, com o retorno do conde João Maurício de Nassau aos Países Baixos, em maio daquele ano, as coisas começaram a mudar. Em 13 de junho do ano seguinte, os representantes dos proprietários de terra luso-brasileiros iniciaram um movimento para expulsar os exércitos da Companhia das Índias Ocidentais. A reação ficou conhecida como Insurreição Pernambucana. Dois meses após a deflagração dos conflitos, eles já haviam conquistado vitórias no Monte das Tabocas, na Casa Forte e no Cabo de Santo Agostinho. Com a cidade do Recife isolada, cerca de oito mil pessoas ficaram sem qualquer acesso aos alimentos produzidos na zona rural. A fome era tal que até ratos foram consumidos pela população. A ajuda da Holanda demorou a chegar. Somente em 22 de junho de 1646 os barcos Gulden Valk e Elizabeth aportaram em Pernambuco, trazendo soldados e comida. Com a derrota nas batalhas dos Montes Guararapes (1648 e 1649), os holandeses tiveram que depor as armas em 26 de janeiro de 1654. Cerca de 400 judeus moradores do Recife e de Maurícia (a ilha de Antonio Vaz) voltaram para os Países Baixos. Outros permaneceram pelas Américas, fundando novas colônias em ilhas do Caribe e na América do Norte. Um desses grupos saiu no navio Valk e fez uma primeira escala na Jamaica, onde acabou prisioneiro dos espanhóis. Depois de conseguir escapar com o apoio dos franceses, rumou para Nova Amsterdã a bordo do barco Sainte Catherine. Na nova terra, vinte e três adultos e crianças criaram a primeira comunidade de judeus da cidade que mais tarde ganharia o nome de Nova York. Na capital de Pernambuco, a velha Rua dos Judeus, agora Rua do Bom Jesus, continuou guardando as memórias daqueles pioneiros. Desde 4 de setembro de 1998, os prédios de número 197 e 203 foram transformados, por um decreto do prefeito Roberto Magalhães Melo, em imóveis de utilidade pública. E voltaram a abrigar o Arquivo Judaico e a antiga sinagoga Zur Israel. Fonte: RHBN |
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sexta-feira, 25 de março de 2011
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