quarta-feira, 2 de março de 2011


Para os meus alunos da 8ª série [9º ano] do colégio Porto Carreiro

Revolução Russa: todo o poder aos comunas

Em outubro de 1917, os revolucionários liderados por Lenin finalmente assumen controle do estado - e começam a construir o primeiro país socialista do mundo

por Isabel Butcher
As ruas de Petrogrado estão sujas, cobertas com a lama trazida pelas chuvas fortes dos últimos dias. E ninguém parece estar muito preocupado com isso – simplesmente não há um serviço público de limpeza. O sistema de iluminação também não funciona. Resultado: à noite, a escuridão é tamanha que chega a dar medo. Por um lado, isso é bom, ajuda a evitar ataques noturnos feitos pelos dirigíveis alemães – a Primeira Guerra Mundial está em curso e tropas inimigas estão bem perto da cidade. Por outro, facilita a ação de vândalos, ladrões e assaltantes.
Esse estado de calamidade pública tem explicação: a falência do Governo Provisório. Na verdade, ele pouco governa, pois a Rússia – como havia acontecido em 1905 – vive uma dualidade de poderes. Enquanto o primeiro-ministro Alexander Kerenski se esforça como pode para colocar alguma ordem no país, quem manda de fato é o Soviete de Petrogrado, presidido por Trotski. A Rússia é o retrato do caos. No campo, o número de conflitos aumenta sem parar. Nos fronts da Primeira Guerra, soldados desertam em massa. Nas cidades, os comitês de fábrica controlam a produção e o abastecimento. Kerenski, que havia encontrado nos bolcheviques uma força capaz de evitar um golpe militar, agora enxerga neles uma grande ameaça.
Lenin está na Finlândia. Mantém-se informado sobre a evolução dos fatos graças à intensa correspondência trocada com seus camaradas em território russo. No dia 7 de setembro, ele retorna clandestinamente a Petrogrado para uma reunião secreta do comitê central bolchevique. Sua proposta é simples e objetiva: desencadear uma insurreição armada.
O Governo Provisório ameaça mudar a capital para Moscou, sob o pretexto de escapar das tropas alemãs, que se aproximam cada vez mais. Para os revolucionários que controlam a cidade, essa medida seria catastrófica. Petrogrado acabaria sendo entregue de bandeja aos inimigos, enquanto o núcleo do poder se afastaria dos bolcheviques mais incômodos de toda a Rússia. Em resposta, o soviete local cria o Centro Militar Revolucionário. Trata-se de uma força armada, bem organizada e disciplinada, com o objetivo de levar a cabo a revolução. O sonho de Lenin é dos mais ousados, exige absoluta disciplina: ele planeja criar o primeiro Estado socialista do mundo, sem exploradores nem explorados.
Contagem progressiva
Em outubro, o céu de Petrogrado continua cinzento e com cara de chuva. Mas logo os bolcheviques tratarão de colori-lo com fortes tons de vermelho. Nos últimos dias, eles haviam crescido bastante, passando a controlar quase todos os sovietes mais importantes da Rússia. Os conselhos populares não vacilam: além de pão, paz e terra, passam a exigir que o Governo Provisório entregue o próprio regime aos revolucionários. Agora, não tem mais jeito. A revolução comunista aproxima-se a passos largos. Como em um seriado de TV, um fato decisivo aconteceria a cada hora, durante cinco dias seguidos.
Democracia às favas
Deposto o Governo Provisório, não demoraria para que os revolucionários enfrentassem um sério problema de relacionamento com a democracia. Em novembro de 1917, o resultado da eleição para a Assembléia Constituinte é desastroso para os bolcheviques. A maioria dos assentos no parlamento será ocupada por socialistas moderados, socialistas revolucionários de direita, mencheviques e liberais. Aos líderes da revolução, caberiam apenas 25% das cadeiras. Em janeiro de 1918, a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, apresentada por Lenin, é rejeitada pela assembléia. A aprovação desse documento era de fundamental importância para seus interesses. Afinal, ele criaria o alicerce sobre o qual a sociedade comunista seria construída: proclamação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), coletivização das terras, controle operário sobre as indústrias e autonomia para as nacionalidades não-russas, entre outras medidas. O líder bolchevique não teve dúvida: ao ser informado da rejeição, manda dissolver o parlamento.
Lenin estava disposto a pagar qualquer preço para tirar a Rússia da Primeira Guerra Mundial. E acabaria pagando caro. Depois de meses de negociações, russos e alemães assinam o Tratado de Brest-Litovsk. Os bolcheviques comprometem-se a entregar ao inimigo a Ucrânia e os países bálticos, além de alguns distritos turcos e georgianos. Nem a extraordinária oratória de Trotski – um dos principais negociadores – foi capaz de reverter a situação. A Rússia sairia perdendo bastante com o acordo, mas faria a paz com a Alemanha. “Esse cessar-fogo foi péssimo para os Aliados [Grã-Bretanha, França e EUA]”, diz o professor Márcio Scalerio, do Departamento de História da PUC do Rio de Janeiro. “Os alemães puderam transferir todas as divisões que estavam na frente russa para o front ocidental. Cerca de 45 divisões do Exército foram transferidas. Para os Aliados, os Russos tinham se transformado em traidores.”
Em junho de 1918, o recém-nascido regime soviético decreta a nacionalização de setores industriais essenciais, como minas e energia, metalurgia, indústria têxtil e de material elétrico. Ao campo caberá a missão de libertar a Rússia da fome. Já não existem senhores de terras como na época do czar. Mas nem todos os camponeses são miseráveis. A burguesia rural ainda não foi inteiramente eliminada. E existem também os agricultores que, embora não sejam propriamente “burgueses”, são considerados “ricos”. Quando acusados de sonegar parte da produção e “especular com a fome do povo” no mercado negro, eles passam a receber a visita dos chamados Destacamentos de Ferro, segundo o historiador Daniel Aarão Reis Filho, da Universidade Federal Fluminense (UFF), “grupos de operários armados que iam ao campo descobrir celeiros de grãos, expropriá-los e enviá-los às cidades”.
Ao mesmo tempo, os bolcheviques tentam desesperadamente conquistar os camponeses mais pobres. Esses, sim, são a maioria. E mal conseguem produzir o bastante para o sustento da família. A estratégia é simples: a união de operários e camponeses facilitará a instauração da “ditadura do proletariado”, uma das etapas previstas por Marx na caminhada rumo ao comunismo. Em um dado momento, porém, já não se distingue entre camponeses ricos e “menos pobres”. Os ataques e confiscos generalizados levam ao rompimento da aliança entre bolcheviques e socialistas revolucionários de esquerda – ainda a corrente política mais forte e influente no campo. Os socialistas revolucionários abandonam o governo e partem para a oposição, dispostos a pegar em armas. Uma guerra civil parece inevitável.
22 de outubro
O Soviete de Petrogrado promove manifestações em toda a cidade – um teste para descobrir se realmente conta com o respaldo necessário da população. Nesse mesmo dia, o conselho popular ganha uma adesão importante: a guarnição da Fortaleza de Pedro e Paulo, com todo o seu arsenal. Mais de cem mil fuzis caem nas mãos do soviete e são distribuídos entre os revolucionários.
23 de outubro
Desesperado, o primeiro-ministro do Governo Provisório, Alexander Kerenski, decide fechar o jornal bolchevique Soldat e chamar tropas que ainda estão nos fronts da Primeira Guerra Mundial para defender o regime e reprimir seus adversários.
24 de outubro
O jornal Soldat é fechado por ordem de Kerenski. Mas o Soviete de Petrogrado envia suas tropas revolucionárias para reabri-lo. Agora, não resta mais dúvida sobre quem manda. Os bolcheviques têm um plano de ação: ocupar os correios e telégrafos, controlar as estações ferroviárias e atacar o núcleo do Governo Provisório. Comandando tudo a partir de um esconderijo, Lenin está ansioso e não pára de distribuir ordens. As forças armadas do soviete assumem o controle das pontes da cidade sem que os guardas de Kerenski esbocem a menor resistência.
25 outubro
A ofensiva dos bolcheviques é ampliada durante a madrugada. Quando amanhece, não apenas as pontes, mas todos os locais estratégicos da cidade estão ocupados. Às dez horas, é anunciada a deposição do Governo Provisório. Resta apenas ocupar o Palácio de Inverno, sede do governo. Mais tarde, no mesmo dia 25, tem início o Segundo Congresso dos Sovietes, com 672 delegados – dos quais 390 (ou 58%) são favoráveis aos partidários de Lenin. Enquanto as discussões acontecem, os primeiros tiros de canhão contra o palácio já começam a ser ouvidos. Mencheviques, socialistas revolucionários de direita e outros grupos minoritários retiram-se do congresso. Ficam apenas os bolcheviques, os socialistas revolucionários de esquerda e os anarquistas.
26 de outubro
Às duas horas da manhã, cai o Palácio de Inverno. O último símbolo do poder burguês na Rússia é ocupado. Apenas três horas mais tarde, os bolcheviques sugerem formalmente que os sovietes tomem o poder. Lenin quer retirar a Rússia imediatamente da Primeira Guerra Mundial. Anuncia terra para os camponeses (sem pagamento de indenizações para os antigos proprietários), um estatuto democrático para as Forças Armadas, controle operário sobre a produção industrial e uma Assembléia Constituinte. O novo governo é composto exclusivamente por bolcheviques. A partir de agora, Lenin será o presidente. Trotski receberá o cargo de Comissário do Povo para as Relações Exteriores. E Stálin será o Comissário do Povo para as Nacionalidades.
Fonte: Revista Aventuras na História

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