sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Noite feliz na terra de ninguém: Natal de 1914

No Natal de 1914, em plena Primeira Guerra Mundial, soldados ingleses e alemães deixaram as trincheiras e fizeram uma trégua. Durante seis dias, eles enterraram seus mortos, trocaram presentes e jogaram futebol

por Bruno Leuzinger
Finalmente parou de chover. A noite está clara, com céu limpo, estrelado, como os soldados não viam há muito tempo. Ao contrário da chuva, porém, o frio segue sem dar trégua. Normal nesta época do ano. O que não seria normal em outros anos é o fedor no ar. Cheiro de morte, que invade as narinas e mexe com a cabeça dos vivos – alemães e britânicos, inimigos separados por 80, 100 metros no máximo. Entre eles está a “terra de ninguém”, assim chamada porque não se sobreviveria ali muito tempo. Cadáveres de combatentes de ambos os lados compõem a paisagem com cercas de arame farpado, troncos de árvores calcinadas e crateras abertas pelas explosões de granadas. O barulho delas é ensurdecedor, mas no momento não se ouve nada. Nenhuma explosão, nenhum tiro. Nenhum recruta agonizante gritando por socorro ou chamando pela mãe. Nada.
E de repente o silêncio é quebrado. Das trincheiras alemãs, ouve-se alguém cantando. Os companheiros fazem coro e logo há dezenas, talvez centenas de vozes no escuro. Cantam “Stille Nacht, Heilige Nacht”. Atônitos, os britânicos escutam a melodia sem compreender o que diz a letra. Mas nem precisam: mesmo quem jamais a tivesse escutado descobriria que a música fala de paz. Em inglês, ela é conhecida como “Silent Night”; em português, foi batizada de “Noite Feliz”. Quando a música acaba, o silêncio retorna. Por pouco tempo.
“Good, old Fritz!”, gritam os britânicos. Os “Fritz” respondem com “Merry Christmas, Englishmen!”, seguido de palavras num inglês arrastado: “We not shoot, you not shoot!”(“Nós não atiramos, vocês também não”).
Estamos em algum lugar de Flandres, na Bélgica, em 24 de dezembro de 1914. E esta história faz parte de um dos mais surpreendentes e esquecidos capítulos da Primeira Guerra Mundial: as confraternizações entre soldados inimigos no Natal daquele ano. Ao longo de toda a frente ocidental – que se estendia do mar do Norte aos Alpes suíços, cruzando a França –, soldados cessaram fogo e deixaram por alguns dias as diferenças para trás. A paz não havia sido acertada nos gabinetes dos generais; ela surgiu ali mesmo nas trincheiras, de forma espontânea. Jamais acontecera algo igual antes. É o que diz o jornalista alemão Michael Jürgs em seu livro Der Kleine Frieden im Grossen Krieg – Westfront 1914: Als Deutsche, Franzosen und Briten Gemeinsam Weihnachten Feierten (“A Pequena Paz na Grande Guerra – Frente Ocidental 1914: Quando Alemães, Franceses e Britânicos Celebraram Juntos o Natal”, inédito no Brasil).
Conhecido então como Grande Guerra (pouca gente imaginava que uma segunda como aquela seria possível), o conflito estourou após a morte do arquiduque Francisco Ferdinando. Herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, ele e sua esposa Sofia foram assassinados em Sarajevo, na Sérvia, no dia 28 de junho. O atentado, cometido por um estudante, fora tramado por um membro do governo sérvio. Um mês mais tarde, em 28 de julho, a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia. As nações européias se dividiram. Grã-Bretanha, França e Rússia se aliaram aos sérvios; a Alemanha, aos austro-húngaros. Nas semanas seguintes, os alemães invadiram a Bélgica, que até então se mantivera neutra, e, ainda em agosto, atravessaram a fronteira com a França. Chegaram perto de tomar Paris, mas os franceses os detiveram, em setembro.
Nos primeiros meses, a propaganda militar conseguiu inflar o orgulho dos soldados – de lado a lado. O fervor patriótico crescia paralelamente ao ódio pelos inimigos. Entretanto, em dezembro o moral das tropas já despencara. A guerra se arrastava havia quase um semestre. Os britânicos haviam perdido 160 mil homens até então; Alemanha e França, 300 mil cada. Para piorar, as condições nas trincheiras eram péssimas. O odor beirava o insuportável, devido às latrinas descobertas e aos corpos em decomposição. Estirados pela terra de ninguém, cadáveres atraíam ratazanas aos milhares. Era um verdadeiro banquete. Com tanta carne, elas engordavam tanto que algumas eram confundidas com gatos. Pior que as ratazanas, só os piolhos. Milhões deles, nos cabelos, barbas, uniformes. Em toda parte.
Quando chovia forte, a água batia na altura dos joelhos. Dormia-se em buracos escavados na parede e era comum acordar assustado no meio da noite, por causa das explosões ou de uma ratazana mordiscando seu rosto. Durante o dia, quem levantasse a cabeça sobre o parapeito era um homem morto. Os franco-atiradores estavam sempre à espreita (no final da tarde, praticavam tiro ao alvo no inimigo e, quando acertavam, diziam que era um “beijo de boa-noite”). O soldado entrincheirado passava longos períodos sem ter o que fazer. Horas e horas de tédio sentado no inferno. Só restava esperar e olhar para céu – onde não havia ratazanas nem cadáveres.
O cotidiano de horrores foi minando a vontade de lutar. Uma semana antes do Natal já havia sinais disso. Foi assim em Armentières, na França, perto da fronteira com a Bélgica. Soldados alemães arremessaram um pacote para a trincheira britânica. Cuidadosamente embalado, trazia um bolo de chocolate e dentro, escondido, um bilhete. Os alemães pediam um cessar-fogo naquela noite, entre 19h30 e 20h30. Era aniversário do capitão deles e queriam surpreendê-lo com uma serenata. O bolo era uma demonstração de boa vontade. Os britânicos concordaram e, na hora da festa inimiga, sentaram no parapeito para apreciar a música. Aplaudidos pelos rivais, os alemães anunciaram o encerramento da serenata – e da trégua – com tiros para cima. Em meio à barbárie, esses pequenos gestos de cordialidade significavam muito.
Ainda assim, era difícil imaginar o que estava por vir. Na noite do dia 24, em Fleurbaix, na França, uma visão deixou os britânicos intrigados: iluminadas por velas, pequenas árvores de Natal enfeitavam as trincheiras inimigas. A surpresa aumentou quando um tenente alemão gritou em inglês perfeito: “Senhores, minha vida está em suas mãos. Estou caminhando na direção de vocês. Algum oficial poderia me encontrar no meio do caminho?” Silêncio. Seria uma armadilha? Ele prosseguiu: “Estou sozinho e desarmado. Trinta de seus homens estão mortos perto das nossas trincheiras. Gostaria de providenciar o enterro”. Dezenas de armas estavam apontadas para ele. Mas, antes que disparassem, um sargento inglês, contrariando ordens, foi ao seu encontro. Após minutos de conversa, combinaram de se reunir no dia seguinte, às 9 horas da manhã.
No dia seguinte, 25 de dezembro, ao longo de toda a frente ocidental, soldados armados apenas com pás escalaram suas trincheiras e encontraram os inimigos no meio da terra de ninguém. Era hora de enterrar os companheiros, mostrar respeito por eles – ainda que a morte ali fosse um acontecimento banal. O capelão escocês J. Esslemont Adams organizou um funeral coletivo para mais de 100 vítimas. Os corpos foram divididos por nacionalidade, mas a separação acabou aí: na hora de cavar, todos se ajudaram. O capelão abriu a cerimônia recitando o salmo 23. “O senhor é meu pastor, nada me faltará”, disse. Depois, um soldado alemão, ex-seminarista, repetiu tudo em seu idioma. No fim, acompanhado pelos soldados dos dois países, Adams rezou o pai-nosso. Outros enterros semelhantes foram realizados naquele dia, mas o de Fleurbaix foi o maior de todos.
Aquela situação por si só já era inusitada: alemães e britânicos cavando e rezando juntos. Mas o que se viu depois foi um desfile de cenas surreais. Em Wez Macquart, França, um britânico cortava os cabelos de qualquer um – aliado ou inimigo – em troca de alguns cigarros. Em Neuve Chapelle, também na França, os soldados indicavam discretamente para seus novos amigos a localização das minas subterrâneas. Em Pervize, na Bélgica, homens que na véspera tentavam se matar agora trocavam presentes: tabaco, vinho, carne enlatada, sabonete. Uns disputavam corridas de bicicleta, outros caçavam coelhos. Uma luta de boxe entre um escocês e um alemão foi interrompida antes que os dois se matassem. Alguém sugeriu um duelo de pistolas entre um alemão e um inglês, mas a idéia foi rechaçada – afinal, aquilo era um cessar-fogo.
Porém, o melhor estava por vir. Nos dias 25 e 26, foram organizadas animadas partidas de futebol. Centenas jogaram bola nos campos de batalha. “Bola” em muitos casos era força de expressão; podia ser apenas um monte de palha amarrado com arame, ou uma lata de conserva vazia. E, no lugar de traves, capacetes, tocos de madeira ou o que estivesse à mão. Foi assim em Wulvergem, na Bélgica, onde o jogo foi só pelo prazer da brincadeira, ninguém prestou atenção no resultado. Mas houve também partidas “sérias”, com direito a juiz e a troca de campo depois do intervalo. Numa delas, que se tornou lendária, os alemães derrotaram os britânicos por 3 a 2. A vitória suada foi cercada de polêmica: o terceiro gol alemão teria sido marcado em posição irregular (o atacante estava impedido) e a partida, encerrada depois que a bola – esta de verdade, feita de couro – furou ao cair no arame farpado.
A maioria das confraternizações se deu nos 50 quilômetros entre Diksmuide (Bélgica) e Neuve Chapelle. Os soldados britânicos e alemães descobriam ter mais em comum entre si que com seus superiores – instalados confortavelmente bem longe da frente de batalha. O medo da morte e a saudade de casa eram compartilhados por todos. Já franceses e belgas eram menos afeitos a tomar parte no clima festivo. Seus países haviam sido invadidos (no caso da Bélgica, 90 por cento de seu território estava ocupado), para eles era mais difícil apertar a mão do inimigo. Em Wijtschate, na Bélgica, uma pessoa em particular também ficou muito irritada com a situação. Lutando ao lado dos alemães, o jovem cabo austríaco Adolf Hitler queixava-se do fato de seus companheiros cantarem com os britânicos, em vez de atirarem neles.
Naquele tempo, Hitler ainda não apitava nada. Entretanto, os homens que davam as cartas também não estavam nem um pouco felizes. Dos quartéis-generais, os senhores da Guerra mandaram ordens contra qualquer tipo de confraternização. Quem desrespeitasse se arriscava a ir à corte marcial. A ameaça fez os soldados voltarem para as trincheiras. Durante os dias seguintes, muitos ainda se recusavam a matar os adversários. Para manter as aparências, continuavam atirando, mas sempre longe do alvo. Na noite do dia 31, em La Boutillerie, na França, o fuzileiro britânico W.A. Quinton e mais dois homens transportavam sua metralhadora para um novo local, quando de repente ouviram disparos da trincheira alemã. Os três se jogaram no chão, até perceberem que os tiros eram para o alto: os alemães comemoravam a virada do ano.
A trégua velada resistiu ainda por um tempo. Até março de 1915, alemães e britânicos entrincheirados em Festubert, na França, faziam de conta que a guerra não existia – ficava cada um na sua. Mas a lembrança das confraternizações foi aos poucos cedendo espaço para o ódio. A carnificina recrudesceu, prosseguindo até a rendição da Alemanha, em novembro de 1918, arrasando a Europa e deixando cerca de 10 milhões de mortos. Talvez a matança até valesse a pena, se a profecia do escritor de ficção científica H.G. Wells tivesse dado certo. O autor de A Máquina do Tempo escrevera em um ensaio que aquela seria “a guerra que acabaria com todas as guerras”. Wells, é claro, estava enganado. Os momentos de paz, como os do Natal de 1914, seriam escassos também ao longo de todo o século 20. A Grande Guerra tinha sido só o começo.

Fonte: Aventuras na História

sábado, 27 de novembro de 2010

Brasil pré-histórico teve troca de povos

Ossadas encontradas no Piauí indicam que populações negroides e mongoloides conviveram na região entre 5 e 8 mil anos atrás

24 de novembro de 2010
por Heloísa Broggiato
Divulgação/ IB-USP. Foto: Elver Luiz Mayer
Esqueletos localizados no Piauí revelam que povos de diferentes origens podem ter vivido no país há milhares de anos
Um enigma para os antropólogos que estudam as populações pré-históricas pode estar chegando ao fim. Até agora não se entendia como os índios brasileiros apresentam características físicas típicas de povos mongóis, se há 11 mil anos vivia no Brasil uma população com traços negroides – como atesta a famosa ossada de Luzia, o mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas.

No entanto, prospecções feitas nos últimos anos pela Fundação Museu do Homem Americano (Fundham) no Piauí encontraram esqueletos de adultos e fragmentos de ossos humanos queimados revelando que uma população com características mongoloides habitava a região entre 5 e 8 mil anos atrás. Teria ocorrido, portanto, uma troca de populações.

A arqueóloga Gisele Daltrini Felice, uma das responsáveis pelas descobertas no sudoeste do Piauí, ressalta que serão realizados estudos específicos de antropologia física em todos os esqueletos humanos encontrados. Ela explica que a importância dessas descobertas é a possibilidade de se verificar o tipo físico e conseguir dados sobre ritos funerários para identificar como se comportavam os diferentes grupos que ocuparam a região. O local dos achados não poderia ter nome mais adequado: Serra das Confusões.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Exposição em Berlim documenta trabalhos forçados durante o nazismo

Museu Judaico de Berlim explicita, em mostra itinerante, a dimensão do horror do trabalho forçado durante o período nazista na Alemanha.

  
Fonte:Dw-World

 
   "Coluna Grünspan, aprendam a trabalhar!" são os dizeres estampados em um cartaz levantado por dois homens, atrás dos quais estão aproximadamente 12 outros em fila. Com pose militar, eles carregam pás e picaretas como se estivessem segurando armas.
   Os judeus, tanto na Alemanha quanto nos territórios ocupados, foram as primeiras vítimas do sistema de trabalhos forçados implementado pelo regime nazista. Acusados de "se esquivarem do trabalho", eles eram humilhados e tinham suas imagens publicamente denegridas. O cinismo do regime chegava ao ápice nas inscrições lidas nos portões de entrada dos campos de concentração: "O trabalho liberta" (Arbeit macht frei).
Milhões de vítimas
   Mais de 20 milhões de homens, mulheres e crianças, oriundos de toda a Europa, foram levados à força para a Alemanha ou confinados nos campos de trabalho forçado dos territórios ocupados. Volkhard Knigge, coordenador da exposição no Museu Judaico de Berlim e diretor do Memorial Buchenwald, localizado no ex-campo de concentração de mesmo nome, fala de um "crime público". No mais tardar a partir de 1941, milhões de pessoas foram submetidas ao trabalho forçado como auxiliares domésticos, na agricultura, em diversos setores da indústria e até mesmo nas igrejas.
Trabalho forçado em obras do grupo químico IG-Farben no campo de concentração de AuschwitzTrabalho forçado em obras do grupo químico IG-Farben no campo de concentração de Auschwitz














   Knigge afirma que houve uma "penetração profunda do nazismo na sociedade alemã", o que faz com que o título da atual exposição no Museu Judaico seja tão adequado e pertinente: Trabalho forçado. Os alemães, os trabalhadores forçados e a guerra.
   A mostra foi financiada com quatro milhões de euros, disponibilizados pela Fundação "Memória, Responsabilidade, Futuro" – também conhecida como Fundação dos Trabalhadores Forçados – sediada  em Berlim desde 2000, o ano de sua criação, e responsável pelo pagamento de cinco bilhões de euros de indenizações às vítimas do trabalho forçado, espalhadas por todo o mundo. Metade dos recursos angariados para esses pagamentos veio dos contribuintes e das empresas alemãs que, durante o período nazista, se aproveitaram da mão-de-obra barata e gratuita.
Frio gélido nas barracas
   A exposição em Berlim, com aproximadamente mil fotos, cartas, além de áudios e imagens, deixa claro como o sistema de trabalho forçado funcionava perfeitamente. Denúncias em relação a judeus ou a ciganos das etnias sinti e rom, bem como comentários depreciativos sobre os chamados "trabalhadores estrangeiros", oriundos dos países ocupados pela Wehrmacht, eram corriqueiros. Os alemães teriam que ter tomado a decisão a respeito de como se defrontariam com essas pessoas, "se com um resto de humanidade ou com os critérios misantropos da ideologia racista", acentua o historiador Knigge.
Prisioneiros soviéticos de guerra recrutados para trabalhos forçados em Zelthain, no ano de 1942Prisioneiros soviéticos de guerra recrutados para trabalhos forçados em Zelthain, no ano de 1942














   Em estações espalhadas pela exposição, o visitante pode ouvir áudios gravados a partir de lembranças deixadas por escrito pelas vítimas, como por exemplo pelo francês Jaques Leperc, forçado a trabalhar, sob terríveis condições de higiene, na montadora BMW aos 20 anos de idade: "Na barraca onde fui instalado, fazia um frio horrível. Comecei a trabalhar: 12 horas por dia numa semana, e, na outra, turnos noturnos de 12 horas, que eram interrompidos por diversos ataques aéreos", lembra Leperc.
   Apesar de extremamente debilitado, ele sobreviveu à exploração, aos maus-tratos e à falta de tratamento médico. De acordo com Knigge, a mostra pretende também prestar uma homenagem a esses trabalhadores forçados ainda vivos.
Elogio de um sobrevivente de Auschwitz
   Pela primeira vez, é possível mostrar aspectos dos destinos dessas pessoas, inclusive no pós-guerra. Para isso, os historiadores responsáveis pelo projeto pesquisaram em diversos arquivos, privados e públicos, no mundo inteiro, mas especialmente na Europa, nos EUA e em Israel, tendo se surpreendido sobretudo com o amplo material fotográfico encontrado. Essas fotos, expostas como em um filme, possibilitam uma visão profunda da vida e do sofrimento dos trabalhadores forçados, o que fica claro nos vários exemplos individuais.
   O historiador polonês Marian Turski, sobrevivente do Gueto de Varsóvia, bem como dos campos de concentração de Auschwitz e Buchenwald, ficou impressionado com os resultados da longa pesquisa. "Essa é uma exposição muito séria, inteligente e cuidadosamente preparada", diz ele, satisfeito com o fato de que a mostra deverá chegar também à Polônia. De Berlim, a exposição itinerante segue para Varsóvia, onde será inaugurada em 2011. Segundo o curador Knigge, há negociações em relação a outros países.
Esperanças de interesse por parte do Leste Europeu
   Acima de tudo, os historiadores envolvidos esperam que a mostra desperte o interesse de países da antiga União Soviética, onde muitos desses trabalhadores forçados ainda foram estigmatizados como traidores da pátria ao regressarem a seus países. A equipe  de organização da mostra já está, de qualquer forma, bem preparada caso a exposição desperte o interesse de outros países. O conceito da mostra foi desenvolvido em inglês, francês, polonês e russo.
Trabalhadores forçados eram também enforcados diante dos demais, como forma de ameaça e coaçãoTrabalhadores forçados eram também enforcados diante dos demais, como forma de ameaça e coação















   Os visitantes da exposição deverão apreender também algumas informações acerca do pós-guerra, especialmente a respeito da repressão do tema "trabalho forçado". Isso ao ponto de, no ano de 1951, em Landsberg, milhares de pessoas terem ido às ruas protestar contra a execução de criminosos de guerra nazistas, que haviam sido condenados. O inacreditável lema dos protestos na época era: "Manifestação contra a desumanidade".   
Indenizações são "justiça restrita"
   Transcorreu mais de meio século até que o Estado alemão e as empresas do país – maiores beneficiadas com o trabalho forçado – indenizariam as vítimas, o que só ocorreu devido à grande pressão internacional.
   O historiador Jens-Christian Wagner, também membro da equipe responsável pela exposição em Berlim, define as indenizações tardias como "justiça restrita". A ajuda humanitária aos sobreviventes do trabalho forçado só aconteceu quando 80% deles já haviam morrido, ressalta o historiador.
   "E é preciso dizer com clareza que grupos grandes de trabalhadores forçados, como os prisioneiros de guerra soviéticos ou os italianos em internamento militar, nunca foram indenizados", lamenta Wagner. Ou seja, a história do trabalho forçado não chegou ao fim e nos arquivos ainda há muito material a ser descoberto e avaliado, completa o historiador.
Na fila com Imre Kertész
   O polonês Marian Turski, que construiu estradas no campo de concentração de Auschwitz e trabalhou ao lado do escritor húngaro Imre Kertész, Nobel de Literatura, em Buchenwald, lamenta que apenas poucos dos sobreviventes em seu país possam ver a exposição.
   "Os sobreviventes já estão, em sua maioria, idosos demais. E grande parte deles vive no interior do país. Para eles vai ser provavelmente difícil ir até Varsóvia para ver a mostra", completa Turski.
    Depois de alguns segundos de hesitação, ele acrescenta como é realmente importante, contudo, que as próximas gerações, através desta exposição, aprendam mais sobre os crimes do regime nazista, acerca dos quais tantos silenciaram por tanto tempo.
Autor: Marcel Fürstenau (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer
 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010


Era Napoleônica: tecnologia militar

por Natalia Yudenitsch

   A era napoleônica foi rica em invenções. As reformas educacionais, somadas à filosofia iluminista do século 18, que celebrava a ciência e a razão, levaram a um desenvolvimento do saber em todas as áreas do conhecimento. As constantes guerras que marcaram o período foram também as responsáveis por um sem-número de descobertas e aperfeiçoamentos no campo militar, como o pára-quedas. Apesar de já existir desde o século 12 na China e ter sido esquematizado por Leonardo da Vinci em 1485, ele foi reinventado na França em 1783 por Sébastien Lenormand e, dois anos depois, usado por Jean-Pierre Blanchard para demonstrar um salto de seu balão. Veja a seguir os inventos que entraram para a história das guerras.
Telégrafo óptico
   A palavra telégrafo vem dos gregos tele (longe) e grapho (escrevo) - "escrever a distância". Quem colocou o conceito no mapa das guerras foi o francês Claude Chappe. Em 1792, ele instalou um sistema de telégrafo óptico entre as cidades de Paris e Lille. A linha de semáforos tinha duas réguas articuladas de madeira e uma terceira conectando as duas instaladas no topo de torres. A possibilidade das posições das réguas, que tinham entre 1 e 9 m, chegava a 196 combinações, que repassavam frases por símbolos codificados. O sistema era simples e eficiente, e transmitia um símbolo por todas as 15 torres através de cerca de 190 km, em menos de dez minutos. Uma mensagem típica tinha cerca de 36 símbolos. O sucesso desse primeiro sistema levou à construção de outras linhas, usadas por Napoleão para coordenar seus exércitos por toda a Europa.
Nautilus
   Em 1800, o inventor americano Robert Fulton adicionou uma nova palavra ao dicionário naval: torpedo. Sua criação, o submarino Nautilus, foi o primeiro a oferecer a possibilidade de afundar navios inimigos através do disparo de bólidos explosivos recheados de pólvora. Com 6,50 m de comprimento, estrutura de ferro coberta de placas de cobre e lemes para o controle vertical, ele permitia que quatro passageiros ficassem submersos por até seis horas. Apresentava ainda uma torre de observação e propulsores operados manualmente. Financiado por Napoleão, o invento, contudo, não agradou. Mesmo depois de afundar uma escuna de quatro mastros, os franceses cortaram seu patrocínio em 1804. No ano seguinte, Fulton tentou vender o Nautilus aos britânicos, ao afundar um veleiro de 3 toneladas. Os ingleses também não se impressionaram. O motivo das recusas era a incapacidade de o submarino acompanhar a velocidade das esquadras navais, perdendo seu diferencial estratégico.
Comida enlatada
   Manter as rações diárias do exército durante a marcha pela conquista do continente. Esse era o objetivo de Napoleão quando, em 1800, mandou anunciar uma recompensa de 12 mil francos para quem inventasse uma forma barata e eficiente de armazenar grandes quantidades de comida por longos períodos de tempo. A tarefa foi levada a sério pelo confeiteiro francês Nicolas François Appert. Após anos de testes, em 1809 ele faturou o grande prêmio ao apresentar sua criação: a comida enlatada. O método consistia em selar a vácuo vidros cheios de alimentos. Devido à fragilidade do material, contudo, os potes logo foram substituídos por recipientes de aço ou latão. Detalhe: o abridor de latas só foi inventado 30 anos depois. Na prática, porém, o invento teve um início de vida difícil. A dificuldade de enlatar a comida em massa, somada ao lento esquema de carregar e transportar as latas, atrasou tanto o processo que o aperfeiçoamento só aconteceu depois da guerra. Para azar do inventor francês, sua fábrica de enlatados, construída com o dinheiro do prêmio, foi queimada em 1814 durante a invasão da França pelas tropas aliadas. Com o fim das Guerras Napoleônicas e o gradual crescimento da população urbana, os enlatados se popularizaram por toda a Europa e os Estados Unidos.
O explosivo Shrapnel Shell
   O exército britânico foi o primeiro a usar as munições explosivas mais conhecidas como shrapnel shell, em homenagem a seu inventor, o então tenente da Artilharia Real Britânica Henry Shrapnel. Em 1784, bancando o desenvolvimento do invento de seu próprio bolso, Shrapnel mostrou a seus colegas uma bala de canhão oca recheada de projéteis de chumbo, que explodiam no ar após o disparo. Os oficiais se interessaram, mas não o suficiente. Em 1787, o tenente aperfeiçoou ainda mais a munição, demonstrando o estrago feito por um projétil de morteiro com cerca de 200 balas de mosquete misturadas com pólvora. Apesar da aprovação dos generais, nada foi feito, até que, em 1792, Shrapnel conseguisse convencer um comitê do alto comando inglês a examinar a proposta de adicionar as balas explosivas ao arsenal do exército. A apresentação se deu em 3 de junho de 1803. Foi então montada uma linha de produção para a manufatura. No ano seguinte, depois que sua criação foi usada com sucesso em batalha, Shrapnel foi promovido a tenente-coronel.
Pólvora sem fumaça
   Durante as Guerras Napoleônicas, uma das principais reclamações dos oficiais era a dificuldade em coordenar seus exércitos em campos de batalha quase invisíveis por causa da fumaça deixada pelas armas utilizadas. A solução só veio em 1886, quando o químico francês Paul Marie Eugène Vieille inventou a primeira pólvora sem fumaça, batizada de Poudre B (do francês poudre blanche, ou pó branco). À base de nitrocelulose misturada a álcool e éter, ela revolucionou o uso das armas de fogo nos combates. Comparada à pólvora negra, a pólvora química, como também é conhecida, permite mais mira e pressão com menor quantidade, produz menos fumaça e resíduos e ainda mantém o poder de explosão mesmo quando úmida. A Poudre B foi para combate no fim do mesmo ano nos rifles Rebel 1886, usados pela infantaria francesa.

Fonte: Revista Aventuras na História

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Escavação no Marco Zero de NY revela restos de barco do século XVIII



Embarcação estava sob o local onde ficava o World Trade Center. Local foi palco de atentado terrorista em 11 de setembro de 2001.

Da EFE, em Nova York
   Os homens que trabalham do "marco zero" do sul de Manhattan encontraram os restos de um navio de quase dez metros de comprimento que poderia ser do século XVIII e que teria sido afundado nessa área do sul da cidade, quando essa mesma foi ampliada em direção ao rio Hudson, informou nesta quinta-feira (15) o "New York Times".
  Os trabalhadores que retiram os escombros na área do marco zero se depararam com a embarcação na terça-feira. Os restos estavam enterrados a uma profundidade entre seis e nove metros abaixo de onde ficava, até 11 de setembro de 2001, o complexo do World Trade Center, construído na década de 1970, alvo de ataques terroristas que mataram 2.752 pessoas.
Pranchas do antigo navio são vistas nesta quinta-feira (18) no Marco Zero, em Manhattan.Pranchas do antigo navio são vistas nesta quinta-feira (18) no Marco Zero, em Manhattan. (Foto: AP)
O         Arquiteto Michael Pappalardo, da empresa AKRF, uma das contratadas pela autoridade portuária de Nova York e Nova Jersey para documentar os achados históricos que pudessem ser encontrados, disse que o navio poderia ter sido originalmente até dois ou três vezes mais longo do que a porção achada.
  Trata-se da maior descoberta arqueológica realizada nesta cidade desde 1982, quando foram localizados os restos de uma embarcação mercante do século XVIII nas obras da Rua Water, no sul da ilha.
   "A embarcação aparentemente data de meados do século XVIII e estava aí havia mais de 200 anos", assinala o jornal, que ressalta que os arqueólogos da cidade estão maravilhados pela importância do achado, muito perto de onde, segundo um mapa de 1797, havia um porto e onde se projetou construir um lago.
   Os analistas também disseram que têm de agir rápido para resgatar a embarcação, já que seu casco de madeira, ao não estar já protegido pela terra, se deteriora rapidamente no contato com o ar, por isso que está sendo recoberto de barro.
Arqueólogos observam o casco da embarcação nesta quinta (15).Arqueólogos observam o casco da embarcação nesta quinta (15). (Foto: AP)
A   ausência de sol e a chuva que afetam Nova York nestes dias, no entanto, favorecem a conservação da embarcação, disse  o arqueólogo responsável pelo patrimônio histórico nova-iorquino, Doug Mackey.
   Entre os restos, os trabalhadores do Marco Zero encontraram também uma grande peça metálica semicircular pertencente ao navio e um sapato de couro da época.
Fonte: G1

quarta-feira, 30 de junho de 2010

"Praga da dança" matou centenas de habitantes de Estrasburgo em 1518

Epidemia começou em julho, com mulher bailando sem parar por 6 dias. Transe acabou envolvendo centenas de pessoas e durou até setembro.

Do G1


                  Carnaval epidêmico - Vítimas da febre da dança morriam de ataque cardíaco, derrame ou exaustão                   (Imagem: reprodução)

   Em julho de 1518, a cidade francesa de Estrasburgo, na Alsácia (então parte do Sacro Império Romano-Germânico) viveu um carnaval nada feliz. Uma mulher, Frau Troffea (dona Troffea), começou a dançar em uma viela e só parou quatro a seis dias depois, quando seu exemplo já era seguido por mais de 30 pessoas. Quando a febre da dança completava um mês, havia uns 400 alsacianos rodopiando e pulando sem parar debaixo do Sol de verão do Hemisfério Norte. Lá para setembro, a maioria havia morrido de ataque cardíaco, derrame cerebral, exaustão ou pura e simplesmente por causa do calor. Reza a lenda que se tratava de um bloco carnavaleso involuntário: na realidade ninguém queria dançar, mas ninguém conseguia parar. Os enlutados que sobraram ficaram perplexos para o resto da vida.
   Para provar que a epidemia de dança compulsiva não foi lenda coisa nenhuma, o historiador John Waller  lançou, 490 anos depois, um livro de 276 páginas sobre o frenesi mortal: “A Time to Dance, A Time to Die: The Extraordinary Story of the Dancing Plague of 1518”. Segundo o autor, registros históricos documentam as mortes pela fúria dançante: anotações de médicos, sermões, crônicas locais e atas do conselho de Estrasburgo.
        276 páginas - Historiador recuperou documentos da época atestando as mortes pela fúria dançante                   (Imagem: reprodução)

   Um outro especialista, Eugene Backman, já havia escrito em 1952 o livro "Religious Dances in the Christian Church and in Popular Medicine". A tese é que os alsacianos ingeriram um tipo de fungo (Ergot fungi), um mofo que cresce nos talos úmidos de centeio, e ficaram doidões. (Tartarato de ergotamina é componente do ácido lisérgico, o LSD.)
   Waller contesta Backman. Intoxicação por pão embolorado poderia sim desencadear convulsões violentas e alucinações, mas não movimentos coordenados que duraram dias.
   O sociólogo Robert Bartholomew propôs a teoria de que o povo estava na verdade cumprindo o ritual de uma seita herética. Mas Waller repete: há evidência de que os dançarinos não queriam dançar (expressavam medo e desespero, segundo os relatos antigos). E pondera que é importante considerar o contexto de miséria humana que precedeu o carnaval sinistro: doenças como sífilis, varíola e hanseníase, fome pela perda de colheitas e mendicância generalizada. O ambiente era propício para superstições.
   Uma delas era que se alguém causasse a ira de São Vito (também conhecido por São Guido), ele enviaria sobre os pecadores a praga da dança compulsiva. A conclusão de Waller é que o carnaval epidêmico foi uma “enfermidade psicogênica de massa”, uma histeria coletiva precedida por estresse psicológico intolerável.
Nonstop dancing – Gravura do artista Henricus Hondius (1573-1610) retrata três mulheres acometidas pela praga da dança; obra é baseada em desenho original de Peter Brueghel, que teria testemunhado um dos surtos subsequentes, em 1564 na região de Flandres (Imagem: reprodução)

   Outros seis ou sete surtos afetaram localidades belgas depois da bagunça iniciada por Frau Troffea. O mais recente que se tem notícia ocorreu em Madagascar na década de 1840.



*Com informações do site Discovery News, por Jennifer Viegas 

sexta-feira, 25 de junho de 2010

As concepções de Higiene na Idade Média

Não havia higiene na Idade Média?
Os homens cheiravam mal e não trocavam de roupa, e os camponeses viviam com animais. Não existiam banhos, mesmo porque lavar-se não era coisa bem vista. Certo? Errado!

por Olivier Tosseri

   Muita gente aprende nos bancos escolares ou em referências no cinema e em livros que os tempos medievais foram um zero à esquerda em matéria de asseio. Não é bem assim. Havia higiene na Idade Média, quando também se usava a água por prazer. Esse só não era um valor tão disseminado como hoje nas sociedades carentes, como em todos os períodos passados, de meios de educação abrangentes e democráticos.
   Acervos preciosos de arte e objetos do período incluem itens usados na toalete de homens e mulheres, assim como iluminuras que representam pessoas se lavando. Os tratados de medicina e educação de Bartholomeus Anglicus, Vicente de Beauvais ou Aldobrandino de Siena, monges que viveram no século XIII, mostram uma preocupação real em valorizar a limpeza, principalmente a infantil.

                                             Coleção Waldburg-Wolfegg, Castelo de Wolfegg

Banho público na Alemanha. Ilustração de manuscrito do século XV

   A água era um elemento terapêutico e servia tanto para prevenir quanto para curar as doenças. Desenvolveram-se as estâncias termais e era recomendado e estimulado lavar-se regularmente. Como as casas não tinham água corrente, os grandes locais de higiene eram os banhos. Certamente herdados da Antiguidade, é provável que tenham voltado à moda graças aos cruzados retornados do Oriente, onde se havia conservado a tradição.
   Nas cidades, a maioria dos bairros tinha banhos públicos, chamados de “estufas”, cuja abertura os pregoeiros anunciavam de manhã. Em 1292, Paris, por exemplo, contava com 27 estabelecimentos. Alguns deles pertenciam ao clero. O preço da entrada era elevado, e nem todos podiam visitá-los com assiduidade.
   Na origem, os frequentadores se contentavam com a imersão em grandes banheiras de água quente. O procedimento se aperfeiçoou com o surgimento de banhos saturados de vapor de água. Utilizava-se o sabonete ou a saponária, planta que fazia a água espumar, para um melhor resultado. Para branquear os dentes, recorria-se a abrasivos à base de conchas e corais.
   Tal era o sucesso desses locais que a corporação dos estufeiros foi regulamentada. Eles tinham direito a preços predeterminados e o dever de manter água própria e impedir a entrada de doentes e prostitutas. A verdade, porém, é que as estufas foram se transformando cada vez mais em lugar de encontros galantes: os banhos em comum e os quartos colocados à disposição dos clientes favoreciam a prostituição.
   No século XIV, recorreu-se a éditos para separar os homens das mulheres, mas foi durante o século XV que se verificou uma mudança de mentalidade. A Igreja endureceu suas regras morais, pois passou a ver com maus olhos tudo quanto se relacionasse com o corpo. E os médicos já não consideravam a água benéfica, mas sim responsável e vetor de enfermidades e epidemias. Segundo eles, os poros dilatados facilitavam a entrada de miasmas e impurezas.
    A grande peste de 1348 recrudesceu esse entendimento. Desde então, passou-se a desconfiar da água, que devia ser usada com moderação. Os banhos declinaram e, pouco a pouco, desapareceram. Foi preciso aguardar o século XIX e o movimento higienista para que se produzisse uma nova mudança de mentalidade.


Fonte: História Viva

terça-feira, 22 de junho de 2010

Arqueólogos acham pinturas mais antigas dos apóstolos de Jesus

Imagens foram encontradas em um ramal das catacumbas de Santa Tecla. Afrescos eram conhecidos, mas seus detalhes vieram à tona recentemente.

  Reuters

    Arqueólogos e restauradores de arte usando nova tecnologia a laser descobriram o que acreditam ser as pinturas mais antigas dos rostos dos apóstolos de Jesus Cristo.
   As imagens encontradas em um ramal das catacumbas de Santa Tecla, perto da Basílica de São Pedro, do lado de fora das muralhas da Roma antiga, foram pintadas no fim do século 4 ou início do século 5.
   Descobertas foram anunciadas nesta terça-feira (22) (Foto: Tony Gentile / Reuters)

   Arqueólogos acreditam que essas imagens podem estar entre as que mais influenciaram os retratos feitos por artistas posteriores dos mais importantes entre os primeiros seguidores de Cristo.
   "São as primeiras imagens que conhecemos dos rostos desses apóstolos", disse o professor Fabrizio Bisconti, diretor de arqueologia das catacumbas de Roma, que pertencem ao Vaticano e são administradas por ele.
   Os afrescos eram conhecidos, mas seus detalhes vieram à tona durante um projeto de restauração iniciado dois anos atrás e cujos resultados foram anunciados nesta terça-feira (22) em coletiva de imprensa.
   Os ícones de rosto inteiro incluem as faces de São Pedro, Santo André e São João, que fizeram parte dos 12 apóstolos originais de Jesus, e São Paulo, que se tornou apóstolo após a morte de Cristo.
   As pinturas possuem as mesmas características de imagens posteriores, como a testa enrugada e alongada, a cabeça calva e a barbicha pontuda de São Paulo, o que indica que podem ter sido as imagens nas quais os retratos posteriores se basearam.
   Os quatro círculos, com cerca de 50 centímetros de diâmetro, estão no teto do local do sepultamento subterrâneo de uma mulher nobre que se acredita que tenha se convertido ao cristianismo no fim do mesmo século em que o imperador Constantino legalizou a religião.
   Bisconti explicou que as pinturas mais antigas dos apóstolos os mostram em grupo, com rostos menores cujos detalhes são difíceis de distinguir.
   "Trata-se de uma descoberta muito importante na história das comunidades cristãs primitivas de Roma", disse Bisconti.
   Os afrescos dentro do túmulo, medindo cerca de 2 metros por 2 metros, estavam recobertos de uma pátina espessa de carbonato de cálcio pulverizado, provocada pela umidade extrema e a ausência de circulação de ar.
   "Fizemos análises extensas e demoradas antes de decidir qual técnica empregar", disse Barbara Mazzei, que chefiou o projeto. Ela explicou como usou um laser como "bisturi ótico" para fazer o carbonato de cálcio cair sem prejudicar a tinta.
   "O laser criou uma espécie de miniexplosão de vapor quando interagiu com o carbonato de cálcio, levando este a se destacar da superfície."
   O resultado foi a clareza espantosa das imagens, antes opacas e sem nitidez.As rugas na testa de São Paulo, por exemplo, estão nítidas, e a brancura da barba de São Pedro ressurgiu.
   "Foi uma descoberta de forte impacto emocional", disse Mazzei.
   Outras cenas da Bíblia, como a de Jesus convocando Lázaro a levantar-se dos mortos ou Abraão preparando-se para sacrificar seu filho, Isaac, também ficaram muito mais claras e nítidas.
   "No que diz respeito a pinturas no interior de catacumbas, estamos acostumados a ver pinturas muito pálidas, geralmente brancas, com poucas cores. No caso das catacumbas de Santa Tecla, a grande surpresa foram as cores extraordinárias. Quanto mais avançamos, mais surpresas encontramos", disse Mazzei.
   Situado num labirinto de catacumbas sob um prédio moderno, o túmulo ainda não está aberto ao público devido às obras que continuam, à dificuldade de acesso e ao espaço limitado. Bisconti disse que as novas descobertas serão abertas apenas à visitação de especialistas, por enquanto.

Fonte: G1