Das profundezas do Império
Exumação dos corpos de D. Pedro I e D. Leopoldina revelam detalhes relevantes para a História do Brasil. Especialistas comentam pesquisa realizada em São Paulo e discutem também o mito do fêmur quebrado da jovem imperatriz
Alice Melo
Uma preocupação com a umidade no subsolo do Monumento do Ipiranga, em São Paulo, motivou a arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel a escavar seu próprio caminho e realizar uma pesquisa que revelou detalhes desconhecidos sobre alguns personagens da família imperial brasileira. Os despojos de D. Pedro I e suas duas esposas, D. Leopoldina e D. Amélia, foram exumados de suas criptas e submetidos a baterias de exames em laboratório da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, como revelou a reportagem especialdo jornal O Estado de S. Paulo.
A iniciativa partiu da própria pesquisadora e enfrentou muitos obstáculos para ser colocada em prática, já que a arqueologia funerária no Brasil é um campo pouco explorado. Durante a pesquisa de mestrado no programa do Museu de Arqueologia da USP, Ambiel conseguiu uma série de autorizações e financiamentos capazes de permitir a retirada cuidadosa dos corpos do monumento onde estavam enterrados desde os anos 1980, o traslado dos despojos durante as madrugadas de 2012 para o hospital na USP; e uma série de radiografias feitas sem que as ossadas saíssem prejudicadas. Um processo inédito no país. “Aqui, a arqueologia ainda ‘anda mal das pernas’ e o que se vê é um interesse maior pela pré-história”, revela Ambiel.
Além de relevante para a arqueologia funerária no Brasil, a dissertação se mostrou interessante também à historiografia, já que indicou detalhes ainda desconhecidos aos especialistas. A historiadora Mary Del Priore, autora de A carne e o sangue (2012), por exemplo, ficou surpresa ao saber que D. Pedro I possuía altura mediana - entre 1,67m e 1,73m – como indicado na perícia. Um tamanho considerado baixo para os padrões da época. Para Del Priore, o trabalho realizado pela arqueóloga é ‘fantástico’. “Ela lutou por isso sozinha. Não temos o hábito no Brasil de se mexer em corpos de mortos com interesse de pesquisa, por conta de toda a tradição católica”. E acrescenta que a pesquisa “cumpriu os espaços com pertinência e competência. Em um país onde só se fazia arqueologia de sambaqui, isso é realmente louvável”.
A historiadora Isabel Lustosa, pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e autora de D. Pedro I (2006), chama atenção para o fato de ter se encontrado bijuterias no caixão da jovem imperatriz Leopoldina. “D. Pedro era um notório pão-duro, nada impede que tenha substituído as joias por bijuterias”, brinca. Lustosa acrescenta que as demais informações apresentadas por Ambiel são “aspectos biográficos importantes, que exaltam características fortes de personagens fundamentais para a História do Brasil”, detalhes que ultrapassam o âmbito da curiosidade e que ajudam a compor ainda mais um quadro fundamental do passado.
O mito do fêmur fraturado
Descobriu-se, por exemplo, que D. Pedro I foi enterrado com insígnias militares referentes apenas ao Estado Português e comprovou-se que o imperador fraturou duas costelas, em decorrência de quedas de cavalo. Os exames mostraram também que D. Amélia foi embalsamada com os órgãos vitais, de forma que muito de seu corpo tenha sido preservado (como unhas e cabelos); e que a jovem imperatriz Leopoldina não teria fraturado o fêmur pouco antes da morte, como parece indicar uma lenda que corria pelos corredores do Museu Nacional, erroneamente atribuída, hoje, pela mídia que repercute a pesquisa de Ambiel, à historiografia.
“É a primeira vez em que ouço essa história de fêmur quebrado”, confessa Isabel Lustosa. “O que se conhece na historiografia de Otávio Tarquino [grande estudioso do Império Brasileiro] são relatos da imperatriz no dia seguinte ao possível episódio da briga entre ela e D. Pedro por conta do relacionamento com a Marquesa de Santos. Parece que ele era violento”.
A historiadora conta que os jornais populares da época noticiaram a briga e um possível pontapé que o imperador haveria dado na esposa. A agressão teria causado posterior queda e perda do bebê que Leopoldina esperava. Isso, portanto, poderia ter causado sua morte, além do fato da jovem imperatriz ser uma pessoa deprimida e de saúde frágil. A descoberta do fêmur intacto, portanto, não comprova nada - já que poderia ter havido queda e agressão, sem que ela tivesse sofrido alguma fratura. Em outras palavras: não há documentação da época que indique que houve de fato a agressão, tampouco que um osso teria sido quebrado. Portanto, as causas sobre a morte de D. Leopoldina continuam desconhecidas.
A historiadora conta que os jornais populares da época noticiaram a briga e um possível pontapé que o imperador haveria dado na esposa. A agressão teria causado posterior queda e perda do bebê que Leopoldina esperava. Isso, portanto, poderia ter causado sua morte, além do fato da jovem imperatriz ser uma pessoa deprimida e de saúde frágil. A descoberta do fêmur intacto, portanto, não comprova nada - já que poderia ter havido queda e agressão, sem que ela tivesse sofrido alguma fratura. Em outras palavras: não há documentação da época que indique que houve de fato a agressão, tampouco que um osso teria sido quebrado. Portanto, as causas sobre a morte de D. Leopoldina continuam desconhecidas.
As insígnias de D. Pedro
No que diz respeito às insígnias encontradas junto às ossadas de D. Pedro, Isabel Lustosa diz que não surpreende tanto que não haja nenhuma referência ao Brasil. “Quando abdicou da coroa, uma das coisas que tinha dito foi que não ligava para condecorações e quando ele morreu, já estava muito afastado do Brasil. As condecorações encontradas com ele foram conquistadas no campo de batalha, quando partiu para lutar pela coroa em nome da filha, Maria da Glória”, explica a professora, sobre a rebenta que Pedro tinha deixado em seu lugar no trono de Portugal, mas que fora destituída por seu tio - irmão de Pedro I - Miguel. De acordo com a historiadora, o fato de Pedro I não ter qualquer condecoração apareceu bastante na imprensa francesa do período e, para ela, provavelmente o primeiro imperador do Brasil tenha querido ser enterrado daquela forma.
Fonte: RHBN
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