Andrada, que levou o milésimo gol de Pelé, acusado de sequestrar civis durante a Ditadura Argentina
por Ariel Palacios
“Excelente goleiro!”, afirmam seus colegas e admiradores. “Mas, péssima e sórdida pessoa”, complementam.
O nome de Edgardo Norberto “El Gato” Andrada ficou imortalizado na História do futebol mundial por não ter conseguido pegar – por poucos centímetros – a bola que Pelé chutou na direção do lado esquerdo do arco do Vasco da Gama, às 23:11 horas do dia 19 de novembro de 1969, no mítico Maracanã. Naquele dia, há exatamente 40 anos, Andrada tornou-se – involuntariamente – o homem que levou o gol número 1.000 do emblemático jogador santista. Andrada, proveniente do time Rosario Central, era um argentino que havia debutado com brilho no Vasco, time no qual ficaria até 1976.
Mas, em vez de ostentar o prestígio de ter sido alvejado certeiramente por Pelé, a imagem de Andrada na Argentina foi manchada pelas acusações que o indicam como um ativo participante de “patotas” (grupos de jagunços) que realizavam sequestros de civis durante a última ditadura militar (1976-83).
Andrada era chamado de “El Gato”, por seu jeito de “felino”
EL GATO
Andrada, que era apelidado de “El Gato” (O Gato), por suas feições angulosas e olhos levemente rasgados, além do ar “felino” que tinha ao movimentar-se, voltou em 1976 para a Argentina, ano em que dezenas de milhares de pessoas partiam para o exílio.
Naquele ano os militares dariam um golpe de Estado que implantaria a ditadura mais sangrenta da História da América do Sul, com um saldo de 30 mil civis torturados e assassinados. Em 1977 Andrada entrou para o clube Colón, na cidade de Santa Fe, onde ficou até 1979. Em 1982 integrou o time Renato Cesarini, na cidade de Rosario.
No início dos anos 80 Rosario, onde morava Andrada, era a segunda maior cidade do país. Rosario também era a área de atuação do general Leopoldo Fortunato Galtieri, que em 1982 daria um golpe dentro do golpe, tomaria o poder e invadiria as ilhas Malvinas, protagonizando uma catástrofe militar para o país.
Leopoldo Fortunato Galtieri, ditador com intenso approach pelo scotch, foi durante anos o senhor da vida e da morte na cidade de Rosario, onde atuava “El Gato” Andrada
ATIVIDADES NÃO-ESPORTIVAS
Diversas denúncias foram realizadas nos anos 90 sobre as controvertidas atividades não-esportivas de Andrada durante a Ditadura. Mas, a principal delas, com luxo de detalhes, foi realizada no ano passado por um ex-torturador, Eduardo “Tucu” Constanzo, de 74 anos, que atualmente está sob prisão domiciliária em sua residência na cidade de Rosário, na província de Santa Fe.
Segundo Constanzo, Andrada fez parte de uma patota que sequestrava civis em Rosario. O ex-torturador, que foi agente da Inteligência do Exército, sustenta que o ex-goleiro esteve envolvido pelo menos no desaparecimento e assassinato de dois militantes do Partido Justicialista (Peronista), Osvaldo Cambiasso e Eduardo Pereira Rossi. Cambiasso e Pereira Rossi foram sequestrados no dia 14 de maio de 1983 em um bar do centro da cidade, o “Magnum”, quando faltavam menos de sete meses para que o regime militar terminasse.
Na semana passada Constanzo reiterou perante a Justiça na cidade de Rosario as declarações que havia feito no ano passado. Segundo ele, Andrada, junto com outro “patotero”, Sebastián “Filtro”, “sequestrou Pereira Rossi e Cambiasso. “Andrada foi pisando as cabeças dos dois, que apareceram fuzilados”, disse. Os corpos de Cambiasso e Rossi apareceram dias depois do sequestro nos arredores da cidade de Zárate, no norte da província de Buenos Aires. Na época, a autópsia indicou que antes de serem baleados a queima-roupa, os dois homens haviam sido espancados, além de torturados com choques elétricos.
No entanto, o Ministério do Interior, no dia 17 de maio daquele ano anunciou que Pereira Rossi e Cambiasso haviam sido abatidos em um confronto com forças do Exército da Unidade Regional do Tigre, um município afastado do lugar onde os corpos foram encontrados, e a várias centenas de quilômetros do lugar de onde foram sequestrados na presença de várias testemunhas. Constanzo, um dos poucos “arrependidos” da ditadura, afirmou que Andrada aposentou-se como “agente do serviço do Destacamento de Inteligência”.
No ano passado (2008), Andrada negou as acusações em breves e irritadas declarações à imprensa: “isso não tem nem pé nem cabeça”. Além disso, afirmou que “Constanzo está delirando”. Andrada admitiu que integrava o Exército, mas nega dar explicações sobre suas funções específicas nessa força.
No entanto, documentos das investigações que a Justiça argentina realiza sobre as torturas em Campo de Mayo – o segundo maior centro clandestino de detenção e torturas da Ditadura – Andrada foi “agente secreto C-3 do Destacamento de Inteligência” de Rosario, e consequentemente, do Serviço de Inteligência do Exército.
Fontes judiciárias confirmaram que as investigações sobre Andrada – atualmente com 70 anos – estão em andamento nos tribunais comandados pelo juiz Carlos Villafuerte Ruzzo.
Restos de desaparecidos da Ditadura localizados pela Equipe Argentina de Antropologia
Fonte: OESTADÃO.COM.BR/BLOGS
Nenhum comentário:
Postar um comentário