domingo, 30 de janeiro de 2011

Caçada aos ‘bosnegers’
Os holandeses expulsaram os portugueses de Pernambuco, mas não conseguiram conter a fuga de escravos
Rômulo Xavier
Os documentos holandeses da época da invasão do nordeste brasileiro trazem impressos dois substantivos familiares ao nosso idioma: capitao-do-mato e feitor. A ausência de palavras equivalentes na língua neerlandesa para descrever tais funções mostra como a organização da sociedade escravista colonial podia ser estranha aos olhos dos novos conquistadores. A capitania de Pernambuco cobria parte dos atuais estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Ali, depois de expulsar as tropas portuguesas, os holandeses se deparariam com a resistência de escravos que fugiam para as matas e formavam quilombos que desafiavam, com suas táticas de guerrilha, as habilidades militares desses temidos conquistadores.
A guerra, que marcou os primeiros anos (1630-1637) da ocupação holandesa, provocou desordens no cotidiano dos engenhos de açúcar espalhados pela capitania. Moendas destruídas, tachos de cobre jogados aos rios e evasão de boa parte dos moradores daquelas propriedades facilitariam a fuga de muitos escravos. Um relatório oficial, enviado em 5 de janeiro de 1634 aos Países Baixos, narrava um dos episódios dessa guerra: o incêndio proposital de um “navio de bom tamanho, vindo de Angola com 300 negros para Barra Grande, onde haviam sido desembarcados os negros”. Esses escravos, que chegavam num momento em que os holandeses tentavam se fixar em Pernambuco, deveriam ser distribuídos para as lavouras de cana-de-açúcar que ainda não haviam caído nas mãos da Companhia das Índias Ocidentais (WIC).  À medida que as tropas da WIC conquistavam o interior da capitania de Pernambuco, vários engenhos foram confiscados. Daqueles trezentos cativos que desembarcaram no sul de Recife, certamente alguns tomariam o rumo das matas fechadas.
Os fugitivos assaltavam propriedades e moradores do interior. Os documentos holandeses os chamam bosnegers (negros da mata) e não é improvável que muitos deles tenham escapado para o quilombo de Palmares. Uma vez ganhando as matas, os bosnegers não tardariam a ocupar as várzeas através de ataques-surpresa aos engenhos e casas de moradores do interior. Em Pernambuco, desde fins do século XVI, as fugas de escravos já causavam dores de cabeça ao poder local. Com a conquista holandesa, em 1630, esse problema apenas mudava de mãos.
As tropas da Companhia das Índias Ocidentais enfrentaram a guerra de emboscadas, estratégia dos escravos quilombolas, que usavam armadilhas, pequenos efetivos e operações pontuais. Era uma tática bem diferente do modelo de combate frontal entre grandes exércitos, comum na Europa. Os soldados holandeses deveriam conhecer bem a geografia local, para tanto contaram com a ajuda de índios tupi (brasilianen) e tapuias, recrutados no Rio Grande do Norte e Ceará. Os índios conheciam os caminhos, as matas, os rios e podiam rastrear fugitivos. Após cinco anos de guerra contra os luso-brasileiros sitiados no Arraial Velho do Bom Jesus, os holandeses já podiam empregar a tática da guerrilha na busca de quilombolas.
Muitos escravos passaram para o lado holandês e serviram à WIC em diversos trabalhos. É possível que alguns deles tenham se tornado livres após três anos de serviços militar para a WIC. Um ex-escravo, Manuel Fernandes, chegou a tornar-se, em 1635, soldado remunerado da companhia. Outros, ao contrário, permaneceram com os seus antigos senhores e ingressaram como soldados na resistência aos holandeses. Acreditavam que assim seriam soldados de sua própria liberdade.
Os soldados holandeses enfrentaram situações muito difíceis.  No inferno da guerrilha, segundo o cronista Diogo Lopes Santiago, “andavam muitos flamengos perdidos pelos matos, onde cada dia os matavam os negros que os encontravam”. O curioso é que vários soldados desertores da WIC formariam, também nas matas, bandos de salteadores.
Mesmo após o inicio da guerra holandesa, muitos escravos continuaram entrando em Pernambuco através de portos ainda não ocupados pelos batavos. É provável que, a partir de 1635, tenha havido uma diminuição brusca na importação de escravos para Pernambuco, pois todos os portos da capitania passaram para as mãos dos holandeses. Até 1637, uma das principais formas de inserção dos batavos no comércio de escravos era através do ataque a embarcações portuguesas que cruzavam o Atlântico abarrotadas de negros. Dessa maneira, muitos negros que eram vendidos em Nova Amsterdam na segunda década do século XVII pela WIC tinham originalmente nomes portugueses.
A maior comunidade quilombola representada pelos Palmares teria se formado em fins do século XVI e inicio do XVII. Ela surgiu, como observou o historiador Flávio Gomes, “com o mundo do açúcar do Brasil e posterior aumento do fluxo do tráfico negreiro”.  Entre os anos de 1570 e 1590, o número de engenhos pernambucanos havia praticamente dobrado, passando de 23 para aproximadamente 70. Para atender ao crescimento vertiginoso da produção, que respondia por mais da metade do açúcar consumido na Europa, foi necessário aumentar a mão-de-obra, que misturava escravos vindos da África centro-ocidental e nativos. 
Quando os holandeses invadiram a região, em 1630, já existia mais de uma centena de engenhos, com alguns milhares de escravos. O aumento da produção levaria os portugueses a incrementar o comércio de escravos. A invasão holandesa interrompeu o abastecimento de mão-de-obra para os engenhos pernambucanos, que antes de 1630 recebiam aproximadamente 4.000 escravos por ano. 

Maus tratos e fome faziam parte do cotidiano dos cativos das grandes lavouras açucareiras. Para remediar essa situação, foi permitido que os escravos plantassem suas próprias roças, nas quais se privilegiava o cultivo da mandioca. Essa prática atravessaria boa parte do período colonial. A farinha de mandioca seria o pivô numa luta entre moradores locais, tropas da Companhia das Índias Ocidentais e os escravos salteadores. Tudo isso pela escassez alimentar que iria marcar praticamente todo o período de permanência batava no Brasil.
O Brasil era uma realidade nova que desafiava a racionalidade administrativa da WIC. Se na América do Norte, a companhia obtinha, sem muito esforço, lucros com o comércio de peles no rio Hudson (na região do atual estado de Nova Iorque), no Brasil a sua atividade não foi tão fácil. Aqui, os holandeses não podiam escapar aos meandros de uma sociedade essencialmente escravista, na qual capturar quilombolas era quase tão natural como fazer comércio.  Por serem onerosas, as capturas não era bem vindas aos princípios de uma companhia semi-privada.
Para os holandeses, era impossível vigiar as propriedades do interior, pois grande parte de seu efetivo estava quase sempre de prontidão para a defesa da costa. Qualquer notícia de um eventual ataque ibérico – vale lembrar que Portugal esteve sob o domínio espanhol, a chamada União Ibérica, de 1580 até 1640) –, causava uma espécie de paranóia que mobilizava todas as tropas para a costa. Com isso, os moradores do interior ficavam desprotegidos. À medida que crescia a área conquistada pelas tropas mercenárias da WIC, crescia a vulnerabilidade desse território.
Ainda pouco adaptados, os holandeses perceberam que não poderiam prescindir da experiência de meio século dos luso-brasileiros na região. Um deles, bem conhecido da historiografia colonial, foi João Fernandes Vieira que, em 1638, obteve da companhia o direito de capturar escravos fugidos e traze-los às autoridades holandesas “para lhes serem vendidos a 130 reais a peça, no estado em que se achassem, fossem moços ou velhos, homens ou mulheres”.  Essa cooperação entre batavos e luso-brasileiros seria uma marca da política holandesa em relação aos ‘inconvenientes’ da escravidão. As duas partes lucravam: A Companhia obtia os escravos de volta, enquanto Vieira se tornava um dos homens mais ricos de Pernambuco.
O ambicioso madeirense, porém, não daria conta de tudo: tentando acertar a ‘cabeça’ do monstro que lhes atormentava o sono, os holandeses armariam expedições aos Palmares. Uma delas se deu em 1638, quando o Capitão Lodij, ajudado por índios, tentou avançar mata adentro para surpreender os mocambos. O foco da ação seria o interior de Pernambuco em sua porção sul, mais ou menos à altura da Vila de Porto Calvo – parte da conquista mais vulnerável aos ataques dos bosnegers. 
 
Em 1641, viajando ao sul de Pernambuco para visitar as guarnições que se encontravam até o Rio São Francisco, o conselheiro político holandês Adrien van Bullestrate foi informado um morador na altura do rio São Miguel que o interior, além de desabitado, estava exposto aos ‘ataques de negros’ e outras moléstias.  Correspondendo ao norte do atual estado de Alagoas, era uma região rica em peixes, gados soltos e roças de mandioca. Alguns moradores dessa área pediam que as autoridades holandesas permitissem que índios aldeados [submetidos à autoridade colonial] morassem na região para que tivessem aliados no combate aos quilombolas. De acordo com o relatório de Bullestrate, “todos os moradores queixam-se de que diariamente alguns negros invadem suas roças e plantações e levam tudo quanto podem”.

As reclamações dos atacados pelos ‘negros da mata’ era um sintoma de que nem tudo ia bem no governo de Mauricio de Nassau (1637-1644). A situação de insegurança nos campos contrastava com o que se via na Cidade Maurícia, construída junto ao Recife e rodeada de fortificações. De um lado, tínhamos uma corte renascentista que recebeu intelectuais de diversas áreas. Do outro, uma situação de constante tormento.
É bem verdade que foi durante o governo de Nassau que a WIC conseguiu retomar a produção de açúcar, ocupar a cidade de Luanda, em Angola, empreendendo um vultoso comércio de escravos no Atlântico sul e aumentar ao máximo os territórios conquistados. Os ataques quilombolas, entretanto, não foram contidos: contra os bosnegers não havia manual de guerra que desse jeito.
Quando em 1645 a expedição do Capitão Jan Blaer atingiu alguns mocambos na região palmarina, os holandeses já estavam no Brasil há quinze anos. A chegada aos ‘domínios dos quilombolas’ deixou-os impressionados com as roças de mandioca e feijão, sem contar as armadilhas dispostas pelo caminho. Encontraram e destruíram o que julgavam ser o ‘Palmares Novo’. Mas outros palmares haveriam de surgir e desaparecer até sua destruição definitiva, em 1694.

Fonte: RHBN
Ameaça negra
Fustigando com suas ações o regime escravista, quilombolas assombravam o dia-a-dia de senhores e funcionários da colônia
João José Reis
A formação de grupos de escravos fugitivos se deu em toda parte do Novo Mundo onde houve escravidão. No Brasil, estes grupos foram chamados de quilombos ou mocambos. Alguns conseguiram reunir centenas de pessoas. O grande quilombo dos Palmares, na verdade uma federação de vários agrupamentos, tinha uma população de alguns milhares de almas, embora provavelmente não os quinze, vinte e até trinta mil habitantes que alguns contemporâneos disseram ter.
Depois de Palmares os escravos não conseguiram reproduzir no Brasil qualquer coisa próxima. Os senhores e governantes coloniais cuidariam para que o estrago não se repetisse. Foi criado o posto de capitão-do-mato (também conhecido como capitão-de-entrada-e-assalto e outros termos), instituição disseminada por toda colônia como milícia especializada na caça de escravos fugidos e na destruição de quilombos.
Assombrada com as dimensões de Palmares, a metrópole lusitana procurou combater os quilombos no nascedouro. No século XVIII quilombo já era definido como ajuntamento de cinco ou mais negros fugidos arranchados em local despovoado. Essa definição, concebida para melhor controlar as fugas, terminou por agigantar o fenômeno aos olhos de seus contemporâneos e de historiadores posteriormente. Contados a partir de cinco pessoas, o número de quilombos foi inflacionado nos documentos oficiais. Mas se, em geral, não figuravam como ameaça efetiva à escravidão, eles passariam a representar uma ameaça simbólica importante. Os quilombolas povoaram pesadelos de senhores e funcionários coloniais, além de conseguir fustigar com insistência desconcertante o regime escravista.
Para senhores e governo, o problema maior estava em que na sua maioria os quilombos não existiam isolados, perdidos no alto das serras, distantes da sociedade escravista. Embora em lugares protegidos, os quilombolas amiúde viviam próximos a engenhos, fazendas, lavras, vilas e cidades. Mantinham redes de apoio e de interesses que envolviam escravos, negros livres e mesmo brancos, de quem recebiam informações sobre movimentos de tropas e outros assuntos estratégicos. Com essa gente eles trabalhavam, se acoitavam, negociavam alimentos, armas, munições e outros produtos; com escravos e libertos podiam manter laços afetivos, de parentesco, de amizade.
É claro que houve muitos casos de quilombos isolados, às vezes encontrados por expedições que até desconheciam sua existência. Mas as evidências para o próprio Palmares, e mais ainda para os quilombos que o sucederam Brasil afora, apontam para uma relação muito mais intensa entre quilombolas e outros grupos sociais. Quilombos como os que cercavam Vila Rica (atual Ouro Preto) no século XVIII, ou o do Catucá, que se desenvolveu nos arredores de Recife e Olinda entre 1817 e 1840, aqueles instalados em redor de Salvador e de São Paulo nas primeiras décadas do século XIX, o quilombo do Piolho nas vizinhanças de Cuiabá, na década de 1860, os fluminenses da bacia do  Iguaçu e da periferia da Corte, assim como os da periferia de Porto Alegre, ao longo do século XIX, todos mantinham redes de  comércio, relações de trabalho, de amizades, parentesco, envolvendo escravos, negros livres e libertos, comerciantes mestiços e brancos. A essa complexa trama de relações Flavio Gomes chamou de “campo negro”, um espaço social, econômico e geográfico através do qual circulavam os quilombolas, que incluía senzalas, tavernas, roças, plantações, caminhos fluviais e pântanos, alcançando vilas de pequeno porte e cidades do porte do Rio de Janeiro, quando já era a mais populosa do Brasil em meados do século XIX.
Essas relações de alto risco atormentavam senhores e governantes coloniais e imperiais. Os amocambados também assaltavam viajantes nas estradas, às vezes tornando-as intransitáveis, e atacavam povoados e fazendas, onde roubavam dinheiro e outros bens, recrutavam ou seqüestravam escravos. Mas além de assaltar, roubar e seqüestrar, eles também plantavam, colhiam, caçavam, constituíam família.
São numerosos os relatos que dão conta da destruição de roças de milho, frutas, algodão, cana e outros produtos cultivados pelos quilombolas. Cultivavam, sobretudo, a mandioca, com que faziam farinha eles próprios. Quando atacados, as roças eram arrasadas para “não tornarem a servir de Criminozo azilo”, como escreveu o capitão-mor que destruiu os quilombos do Orobó e Andaraí na Bahia, em 1796.
Nas áreas de mineração os fugitivos se dedicavam à prospecção de pedras e metais preciosos, que trocavam clandestinamente com taverneiros por produtos necessários à sua sobrevivência, além de armas e munição. Em alguns casos conseguiam o suficiente para comprar a alforria, passando de negros fugidos a negros libertos.
Segundo a historiadora norte-americana Mary Karasch, os quilombolas de Goiás descobriram numerosas lavras auríferas, que eram posteriormente apropriadas pelos caçadores de escravos. A caça ao quilombola e a procura do ouro caminhavam juntas nas expedições feitas ao interior. A entrada realizada em 1769, a partir de Minas Gerais, pelo mestre-de-campo Inácio Correia Pamplona, foi saudada por um sertanejo versejador, que entre loas ao comandante arrematava:
Tudo feito nesta maneira
pólvora, chumbo e patrona,
espingardas à bandoleira,
entrando duas bandeiras
Procurando Negros e ouro,
Deus nos depare um tesouro
para garrochiar neste touro.

O historiador e etnólogo Edison Carneiro, a propósito, escreveu que “o quilombo [...] serviu ao desbravamento das florestas além da zona de penetração dos brancos e à descoberta de novas fontes de riquezas”.
No Rio de Janeiro oitocentista, os quilombolas de Iguaçu mantinham intenso comércio de madeiras com a Corte e também se empregavam nas fazendas de proprietários que sabiam estar contratando negros fugidos. No Maranhão, em 1867, um juiz de direito denunciava “A ambição desregrada de certos indivíduos, ambição que os leva a seduzir escravos para fugir, tendo em vista tirar vantagens com as colheitas destes, que as vendem por módicos preços”. Esta era, aliás, uma prática comum. Os donos de escravos frequentemente publicavam anúncios em jornais ameaçando de processo e exigindo indenização dos coiteiros. No sul da Bahia, na vila de Barra do Rio de Contas (atual Itacaré), em 1806, dezenas de escravos se aquilombaram numa comunidade de lavradores que os empregavam no cultivo da mandioca. Quando este quilombo, chamado Oitizeiro, foi disperso, descobriu-se que os próprios escravos dos lavradores eram prósperos produtores de mandioca e ativos coiteiros de calhambolas.

Fonte: RHBN



Flavio José Gomes Cabral
Palmares entre sangue e fogo
Flavio José Gomes Cabral
Pouco se sabe sobre o cotidiano e os primeiros anos no quilombo de Palmares. As fontes relativas a esse quilombo começam a surgir com mais intensidade a partir de 1670, quando da mobilização de tropas organizadas pelas autoridades coloniais para destrui-lo. Entretanto, há notícias de expedições a partir de 1602 comandadas pelo oficial português Bartolomeu Bezerra que resultaram na destruição de mocambos e na apreensão de alguns fugitivos.
Na realidade, os manuscritos são de natureza pública, tratando-se de pareceres, alvarás e relatos de comandantes sobre estratégias de guerra, e pouco revelam detalhes do cotidiano palmarino. Nos documentos, essas pessoas são chamadas de “negros alevantados”, que começaram a crescer depois de 1630 durante a ocupação do Nordeste pelos holandeses. Aproveitando a desordem provocada pela invasão flamenga, os negros fugiam das senzalas, indo se refugiar nos mocambos da região da Serra da Barriga, no atual território de Alagoas. A área era povoada por palmeiras, advindo daí a denominação do quilombo, que ao longo dos tempos cresceu, estendendo-se pelas ribeiras do Rio São Francisco, adentrando o Agreste Meridional e a Mata Sul pernambucana além dos limites do Cabo de Santo Agostinho.
Nesse período, conforme escreveu José Antônio Gonsalves de Mello, bandos de negros promoviam ataques nos caminhos; eram os chamados “boschnegers”, ou negros da mata. Contra eles se bateram capitães-do-mato brasileiros, já que os holandeses eram tidos como inábeis para tal função. O negro da mata parecia não ser um negro qualquer porque, no tempo do Conde de Nassau (1637-1644), quem conseguia capturá-lo recebia um prêmio maior que o pago por um escravo comum.
Há divergências quanto ao número da população de Palmares nessa época. Estima-se que existiam entre 6 mil e 20 mil habitantes. A falta de mulheres foi um grande problema. Por isso se raptavam escravas e índias, sendo essa uma das causas dos constantes conflitos entre os palmarinos e os grupos indígenas das redondezas. Barleus, autor de uma História dos feitos recentes praticados durante oito anos no Brasil, falava da existência de dois quilombos na Serra da Barriga: Palmares Grandes e Palmares Pequenos. Este deveria contar com uma população em torno de 6.000 pessoas e aquele, de 5.000, segundo revelou o trabalho de espionagem realizado em 1637 pelo mulato ou mestiço Bartolomeu Dias, que tinha vivido entre os palmarinos.
No diário do capitão Blaer escrito em 1645, há informes da existência de dois mocambos em Palmares. Um dos quais, designado por ele de “Velho Palmares”, teria sido abandonado pelos moradores porque estava situado em um terreno insalubre, dando margem para a fundação do Palmares Grandes. Esse povoado deveria contar com umas 200 casas e foi atacado pelas tropas do citado capitão, que contava com um efetivo de centenas de homens e com o apoio dos índios tapuias. Durante o ataque, cem palmaristas tombaram no campo de batalha e outros tantos foram capturados. Uma parte daquele povo conseguiu se embrenhar nas matas e como resposta passou a atacar as propriedades da vizinhança. 
Na realidade, o estudo sobre o Quilombo de Palmares é um campo em aberto, merecendo investigações. Dentro desse universo, podemos nos perguntar se todos os escravos que fugiam dos engenhos na época da guerra dos holandeses realmente se refugiavam em Palmares ou viviam em pequenas comunidades escondidas em seu entorno ou distante dele. A resposta a essa dúvida carece de base em novos estudos, principalmente na documentação produzida pelos holandeses. Dentro desse universo, diversos quilombos existiam, sendo o mais importante o mocambo chamado Macaco, espécie de capital de Palmares Grandes, populosa e fortificada. 
Muitos estudiosos disseram que os quilombos foram a única via de resistência à escravidão. Entretanto, os quilombos não foram a única forma de protesto, como sugere o historiador Flávio Gomes. Segundo esse autor, olhar a história dos quilombos apenas por esse ângulo é não perceber o legado e a história deles, bem como a possibilidade de entender o “funcionamento das sociedades nas quais se estabeleceram”, as formas de domínio, transações, negociações, astúcias políticas, violências e experiências de vida. Palmares, a exemplo de outras comunidades quilombolas surgidas no país, não vivia isolado. Sua capacidade de interação com outros segmentos sociais impressionou as autoridades e os proprietários de terra. Os mocambos desenvolveram atividades econômicas que interagiam com as economias locais. Pouco se sabe sobre as lideranças da localidade. Os relatos sobre aquelas figuras são os produzidos pelos comandantes das expedições que estiveram na área do quilombo com a finalidade de destruí-lo. 
Os quilombolas conseguiram vencer as matas e paulatinamente foram tomando conhecimento da topografia da região. A princípio viviam da caça, da coleta e da pesca, mas, com o crescimento da população, passaram a praticar a agricultura (milho, feijão e cana-de-açúcar), comercializando esses produtos e trocando-os por armas e munições.
A comunidade palmarina era hierarquizada, havendo indícios de se tratar de uma “monarquia eletiva”, cujo rei ou “chefe de macacos” comandava os chefes dos outros mocambos. Em uma carta escrita pelo governador D. Pedro de Almeida em 4 de fevereiro de 1678 ao regente D. Pedro, consta que, por ocasião dos ataques contra Palmares que resultaram na morte de Ganga-Zumba, suas mulheres, filhos e cativos, abriu-se a possibilidade de se pensar na inexistência de um “igualitarismo” em Palmares, dada a vigência da escravidão nos quilombos.  
Com a capitulação dos holandeses em 1654, os negros palmarinos continuaram a desafiar o poder colonial. Nos anos de 1670, duas expedições contra Palmares não cantaram vitória: a de 1675, chefiada pelo capitão Manoel Lopes Galvão, e a de 1677, comandada pelo capitão Fernão Carrilho, que pensou ter derrotado os negros, quando na verdade apenas pôs as mãos em alguns palmarinos, entre eles os parentes do chefe Ganga-Zumba. Com essa façanha, o governador pernambucano Aires de Sousa conseguiu pressionar o dito chefe, firmando em 1678 o “acordo do Recife”, que concedia alforria aos nascidos em Palmares e a desocupação da área num prazo de três meses para viverem nas terras concedidas pela coroa em Cucaú, na ribeira dos rios Sirinhaém e Formoso. Nessas terras, ficava assegurado aos ocupantes o direito de participar do comércio com os vizinhos e dos foros de vassalos do rei de Portugal. Algumas lideranças de Palmares não aceitaram esse acordo, gerando cisões e inaugurando uma nova fase na história daquelas comunidades com o surgimento de uma nova liderança – Zumbi.  
No tempo de D. Pedro de Almeida (1674-1678), governador de Pernambuco, foi posto em atividade todo o empenho para destruir Palmares. Em 1674, organizaram-se algumas forças contra os mocambos. Para isso, munições bélicas e víveres foram estocados em Sirinhaém, Porto Calvo, Una e São Francisco, pontos eqüidistantes do Centro de Palmares. As lutas foram acirradas, havendo baixas em ambos os lados. Em um desses combates, o líder Zumbi foi ferido, mas conseguiu fugir. O cansaço e o estrago causados às tropas fizeram-nas recuar, trazendo consigo alguns prisioneiros. 
Nos fins de 1694, entendia-se que a aniquilação de Palmares era um assunto que merecia atenção. Nesse ano, atacaram os mocambos de Una, Catingas, Pedro Capacaça e Quiloange, ocasião em que cerca de duzentos negros foram presos. As tropas chegaram a localizar o esconderijo de Zumbi, mas ele conseguiu fugir a tempo, reorganizando nas matas a resistência. O aniquilamento de Palmares figurava entre os diversos planos do governo de Caetano de Melo de Castro (1696-1699), que contratou os serviços do experiente bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que residia no Piauí, para aniquilar os mocambos da Serra da Barriga. As tropas militares partiram de vários pontos e conseguiram, depois de obter informações, localizar a Serra de Dois Irmãos, onde se encontrava Zumbi. 
Apesar de protegido, Zumbi foi morto em combate no dia 20 de novembro de 1695. Sua cabeça foi cortada e enviada ao Recife. A carta do governador Melo de Castro ao monarca datada de 24 de junho de 1696 dava ciência dessa façanha, relatando a guerra e a morte de Zumbi, cuja cabeça foi exposta como troféu de guerra em um mastro “no lugar mais público” do Recife, na tentativa de satisfazer os patrocinadores da guerra, como também para “atemorizar os negros que supersticiosamente” se recusavam a acreditar na morte do líder negro. Julgavam-no “imortal”. Zumbi morto? Impossível. Muitos criam que um deus da guerra não pode morrer. Após a destruição de Palmares, os soldados foram recebidos com honras pelo governador e as terras do quilombo foram posteriormente aquinhoadas em lotes no regime de sesmaria e distribuídas entre os que participaram do cerco ao dito quilombo.   
A tomada de Palmares e o assassinato de seu principal líder, Zumbi, não puseram fim às atividades quilombolas na região. Uma parte da população migrou para as capitanias vizinhas e a outra passou a viver no entorno do antigo quilombo. Cartas do governador pernambucano Fernão Martins Mascarenhas de Lancastre (1699-1703) ao rei português D. Pedro II relatam a existência de um reduto negro na antiga região de Palmares comandado por Camoanga, que se recusava a cumprir uma promessa feita ao bispo Francisco de Lima (1695-1704) de se “reduzir”. Diante dessa rebeldia, o rei ordenava, em 12 de janeiro de 1700, que se fizesse guerra contra ele, a fim de “acabar com as relíquias” daqueles “negros, que ainda depois da” vitória sobre Palmares “permaneciam em vários lugares”.
Camoanga foi morto em 1703 durante um ataque. Pelo menos até meados do século XVIII forças paulistas estiveram acampadas na região na tentativa de impedir o nascimento de novos mocambos, como também para proteger a ocupação daquelas terras, que haviam sido doadas no regime de sesmaria, cujos proprietários procuravam manter sua empresa sem a preocupação de que elas poderiam vir a ser atacadas por negros quilombolas.

Fonte: RHBN
Esquecidos e mal pagos
Professores reclamam de baixos salários e se sentem humilhados pelo governo. Há exatos "140 anos" *
Daniel Cavalcanti Lemos
“Não vedes que, tratados os professores como escravos, só conseguireis moldar por eles uma sociedade indigna do século em que viveis?!” Atualizada a linguagem, este questionamento valeria para os dias de hoje. Mas o alerta foi feito em 1871 por professores públicos primários da Corte imperial. Em manifesto aberto para chamar a atenção da sociedade civil, eles exigiam melhores condições de trabalho, respeito por parte do poder público, pagamento dos prêmios a que tinham direito, a desistência do Estado de promover uma reforma do ensino e, principalmente, aumento de salários.
Classificados pelo ministro do Império como “incompetentes”, estavam submetidos a salários que, segundo eles próprios, os condenavam à miséria. Além disso, reclamavam que o poder público ignorava solenemente suas reivindicações, como fizera com o primeiro “Manifesto dos Professores Públicos de Instrução Primária da Corte”, elaborado por um grupo de mestres em 1870. Enviado à Assembléia Legislativa, ao ministro do Império Paulino José Soares de Souza e ao imperador D. Pedro II, o documento não recebeu nenhuma resposta satisfatória.
Sentindo-se desprezados, os docentes acrescentaram-lhe então um novo trecho e o endereçaram desta vez ao “poder real da nação”, aquele que estaria acima dos políticos e do imperador: a sociedade civil.  Publicado em julho 1871, divulgado na forma de um pequeno livro de 21 páginas, o manifesto aos cidadãos começa em tom de verdadeiro desabafo: “Em uma época de patriotismo e de reformas, quando parece despontar nos horizontes da pátria uma nova era de prosperidade; uma classe inteira de funcionários públicos, classe talvez a mais importante dos servidores do estado, vive oprimida, ludibriada e escarnecida, e, o que mais é, humilhada pela injustiça com que os poderes do estado a apelidam constantemente de ignorante”.
Ao escrever para a sociedade, os professores reuniram todos os manifestos produzidos anteriormente, como se juntos formassem um histórico de suas reivindicações. A coletânea incluía uma carta enviada a D. Pedro II. Nela, faziam referência à “época de patriotismo e de reformas”, já que, com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), se anunciavam grandes mudanças. Uma das reformas era a da instrução, anunciada pelo próprio imperador: em suas palavras, os professores deixariam de ser uma “classe deslembrada” (esquecida) entre os funcionários públicos.
Em 1870, D. Pedro II, em sua fala do trono, reconheceu a situação difícil em que se encontrava o magistério. Conhecido como amante da cultura, das letras e das ciências, certa vez afirmou que, se não fosse imperador, gostaria de ser mestre-escola. Mas nem esta declarada simpatia nem o reconhecimento público do problema garantiram aos professores primários qualquer acréscimo aos seus ordenados.
Com a promulgação da Lei do Ventre Livre (1871) e a força crescente do movimento abolicionista, parecia claro que o fim da escravidão, cada vez mais próximo, reforçaria a importância da instrução popular. Não à toa, o texto fala em uma época de “justiça, quando os direitos de uma parte da humanidade oprimida vão ser reconhecidos”. O cenário favorável à valorização da escola estimulou a classe a reagir em público contra a forma como estavam sendo tratados pelo Estado. Queixavam-se, por exemplo, do relatório do conselheiro Paulino Soares de Souza sobre os negócios do Império. Apresentado em 1869, o documento dizia que “as condições da instrução primária nessa Corte estão ainda longe de satisfazer as necessidades sociais”. Os motivos apresentados pelo conselheiro eram a carência de escolas e “falta de bons professores”.
Ofendidos com a afirmação, os docentes respondem no manifesto dizendo que têm “sofrido resignados toda sorte de injustiças. Agora, porém, a taça transbordou com a repulsa que acabamos de sofrer”. A culpa pela degradação do sistema educacional público, afirmam, é do governo. Indignados por serem tratados como lacaios, rebatem as acusações feitas pelo conselheiro e respaldadas pelos deputados com o intuito de “humilhá-los com o baldeão de ignorante”. Afinal, argumenta o texto, a ignorância no Brasil não é uma característica da sua classe, mas “uma espécie de epidemia, que não respeita muitas vezes as mais elevadas posições”. As duras declarações iniciais abrem espaço para o arremate: “Nenhum de nós ignora o que pertence ao seu ofício, como acontece com muitos de vossos sábios bochechudos que se alimentam de vosso suor!”
Na pauta das críticas entra também a construção dos modernos edifícios escolares. Chamados de “palácios”, vinham sendo projetados para servirem ao ensino público primário, substituindo as escolas isoladas que funcionavam em diversas regiões do Rio de Janeiro. A maioria das antigas escolas não contava com espaços agora considerados indispensáveis para o bom ensino, como salas amplas, bem ventiladas e iluminadas, laboratórios, bibliotecas e salas para conferências. Com capacidade para receber aproximadamente 600 alunos, os “palácios” se apresentavam como expressões de um novo tempo e de um novo conceito de escola. As ressalvas não se dirigiam às construções em si, mas ao dinheiro empregado nelas: dentro daqueles “custosíssimos prédios”, o professor, segundo o manifesto, morria de fome.
Outra queixa ao novo modelo argumentava que a centralização do ensino nesses grandes edifícios levaria a uma interferência indevida do Estado nas atividades letivas. Pelo mesmo motivo, denunciavam a proposta do governo de criar uma inspeção vigilante, comparando os inspetores a feitores: “Mandai-nos feitores, um para cada escola, se vos aprouver. Falai-nos de emancipação, e quereis o professor escravo! Ah! (...) É que não compreendeis os vossos próprios interesses”.
O grupo que elaborou a série de documentos tinha à frente três professores: Candido Matheus de Faria Pardal, João José Moreira e Manoel José Pereira Frazão, que assinam “em nome da classe”. Maior expoente do grupo, Frazão foi o relator do manifesto e tentou organizar uma associação classista, o Instituto Profissional dos Professores, que, por brigas internas, não foi adiante. No ano seguinte, ele fundaria e seria redator do jornal A verdadeira Instrucção Pública, e havia quase uma década vinha escrevendo artigos relativos à situação da educação em vários periódicos, sendo os primeiros publicados sob o pseudônimo de “professor de roça”, no jornal Constitucional, em março e abril de 1863. Esses artigos continham críticas à política e às condições salariais a que estavam submetidos os professores. Num deles, de abril de 1863, o “professor da roça” afirmava que “o professorado hoje é a peior das recommendações! Perguntai a um pai o que é o professor de seu filho, e elle vos responderá: “Um criado de ensinar meninos!”
 O tom duro do manifesto gerou descontentamento na Inspetoria Geral de Instrução Primária e Secundária da Corte. Quando o documento chegou às mãos do imperador, houve uma grande agitação na cúpula da Inspetoria, com trocas de ofícios e cartas em caráter reservado entre o inspetor geral e o ministro do Império. Em uma dessas correspondências, o inspetor José Bento da Cunha Figueiredo prometeu ao ministro João Alfredo obter informações sobre “os procedimentos a que podem estar sujeitos os professores Frazão, Pardal e Moreira pelo manifesto publicado no Jornal do Commercio no dia 30 do mês de julho”. Porém, apesar de a Inspetoria buscar uma forma de punir os professores, nada poderia ser feito: o próprio imperador defendia o direito de manifestação, ainda que as críticas ferissem a sua administração. Diante disso, o inspetor sugeriu que o Ministério dos Negócios do Império fizesse apenas uma “repreensão” por escrito, o que não afetou os rumos das reivindicações. 
Mesmo sem alcançar nenhum de seus propósitos, a mobilização dos professores não foi em vão. Eles conseguiram melhorar sua forma de organização, tornando aquele um período de várias realizações. Em poucos anos, foram criadas suas primeiras associações profissionais e fundados jornais, revistas, associações de auxílio, científicas e beneficentes.
Nas novas publicações, eram discutidos métodos pedagógicos e as políticas do Império para a instrução. Na década de 1870, dois jornais organizados por professores travaram intensos debates. Um foi A Instrucção Publica, lançado em abril de 1872 e chefiado pelo diretor da escola normal de Niterói, José Carlos de Alambary Luz, e o outro, A Verdadeira Instrucção Publica, lançado dois meses depois. É possível perceber já pelos nomes o clima de disputa presente entre a classe, que em seguida se organizaria em diferentes associações. Algumas tinham caráter científico, como a Sociedade Literária Beneficente Instituto dos Professores Públicos da Corte, de 1874. Outras eram mais assistencialistas, com o objetivo de auxiliar financeiramente os professores em dificuldade, pagar enterros e uma pequena pensão às viúvas. Era o caso da Caixa Beneficente da Corporação Docente do Rio de Janeiro, criada em 1875.
Essa participação organizada de professores, produzindo jornais, abaixo-assinados e manifestos, teve importante papel na articulação e na criação das primeiras associações profissionais, como a Associação dos Professores Públicos da Corte (1877) e o Grêmio dos Professores Públicos Primários da Corte (1881).
Hoje, quase 150 anos depois, a classe dos professores permanece entre as “deslembradas” do poder. Os problemas da educação pública continuam a ser um dos grandes empecilhos enfrentados pelo Brasil. É preciso continuar lutando pelas mesmas causas às quais se entregaram o professor Frazão e seus colegas. Como dizia o pedagogo Paulo Freire, a luta dos professores em defesa de seus direitos e de sua dignidade deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente: um exercício de ética. 

Fonte: RHBN
[*] - Período de tempo adequado a data atual, janeiro de 2011.  

Soldados esquecidos
Recrutados pelo exército, indígenas ajudaram o Brasil a ganhar a Guerra do Paraguai, mas nunca foram justamente recompensados pela bravura que exibiram nos campos de batalha
Rosely Batista Miranda de Almeida
Não foram só as forças armadas do Império que deram ao Brasil a vitória no maior conflito bélico jamais ocorrido na América do Sul. Pesquisas já mostraram que gente do povo, mulheres, escravos e ex-escravos também tiveram atuação marcante na Guerra do Paraguai (1864-1870). De todas essas minorias combatentes, a participação dos índios era menos conhecida. Hoje se sabe que eles atuaram no conflito como verdadeiros soldados, e foram considerados “bravos auxiliares” por oficiais do nosso exército. Existem muitos relatos sobre gestos heróicos de soldados indígenas que fazem jus aos elogios, como, por exemplo, o de grupos avançando de peito nu, numa demonstração de extrema coragem, para desalojar soldados paraguaios escondidos nas matas que eles tão bem conheciam. Ou de pelotões indígenas realizando com êxito a missão de observar os movimentos do inimigo ou de trazerem de volta aos seus destacamentos soldados desertores e escravos fugidos.
Nessas ações, não eram movidos propriamente por patriotismo ou sentimento semelhante, mas sobretudo pelos interesses dos grupos a que pertenciam. Os índios que habitavam as terras da Província de Mato Grosso, ao se tornarem soldados, queriam, antes de mais nada, ver pelas costas, fora de seu território e longe de sua vista, o soldado inimigo, que traria para o seu povo morte e destruição. Ao defenderem o exército imperial, acreditavam estar defendendo também sua gente e resguardando seu espaço. Por isso os paraguaios eram considerados inimigos comuns, deles e da nação branca. Tornaram-se soldados do Império brasileiro, em maior número, os Mbayá-Guaicuru (Kadiwéu), os Txané-Guaná (Terena, Kinikinau, Layana e Guaná), os Xamakoko, os Guató, os Kayapó e os Bororo da Campanha (assim denominados, supostamente, por habitarem os campos abertos da região pantaneira). Os territórios de todos esses grupos e nações indígenas se localizavam na parte meridional da antiga Província de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul.

Muito tempo antes da guerra, a Coroa portuguesa já tinha consciência da importância desses grupos indígenas para a defesa do território da colônia no vale do Paraguai, estimulando e atraindo nativos para povoarem aquela área de fronteira. Os Txané-Guaná (grupo Aruak) e os Mbayá-Guaicuru, vindos da região do Chaco, habitavam a bacia pantaneira (Baixo rio Paraguai) desde meados de século XVII, e foram os que tiveram maior participação no conflito. Sempre estiveram ao lado dos brasileiros. Estes e outros grupos nativos mantinham contatos regulares, desde a segunda metade do século XVIII, com os habitantes da parte sul da Província. Estiveram presentes durante a construção das primeiras unidades militares da região, a exemplo do forte de Coimbra, construído pelos portugueses em 1775 para garantir a posse das áreas conquistadas pelo avanço bandeirante. Estavam também acostumados a auxiliar militares e civis como intérpretes, remadores ou no transporte de cargas. Eram comumente recrutados em aldeamentos próximos aos novos núcleos de povoamento, como, por exemplo, o de Albuquerque.
Tais vínculos se estreitaram ainda mais na segunda metade do século XIX, a partir da fundação das missões religiosas pelo governo imperial. Em 1846, foi criada a Diretoria Geral dos Índios, na Província de Mato Grosso, como conseqüência do Decreto de 24 de julho de 1845, que oficializava o Regulamento das Missões e reprovava a política de guerra contra os índios. Conforme a determinação do governo imperial, as missões, também chamadas de “aldeias regulares”, eram estabelecimentos oficiais presentes em cada província brasileira. Cada núcleo era administrado por um diretor, religioso ou não, que estava subordinado ao diretor-geral da província. Na prática, não mudava muito a política que prevalecia desde os tempos coloniais. Esperava-se que os índios, uma vez aldeados, se tornassem dóceis e submissos aos costumes “civilizadores” do homem branco e a uma cultura que não era a deles. Era também uma porta aberta à exploração da mão-de-obra indígena por parte de autoridades e fazendeiros.
Manuscritos guardados no Arquivo Público do Estado de Mato Grosso afirmam que a aproximação de índios com não-índios se dava também através do comércio. Era o caso dos Guaná, que pelo menos duas décadas antes da guerra negociavam redes, panos, cintos e suspensórios, principalmente por permutas, tanto com brasileiros como com os vizinhos paraguaios, no forte Olimpo. Atuavam também como informantes, já que depois relatavam aos brasileiros o que se passava no outro lado da fronteira. Esse tipo de atividade foi também observada por Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899), militar incorporado à expedição de Mato Grosso no grupo dos engenheiros e em seguida autor do romance A Retirada da Laguna. Em 1825, antes da guerra, o presidente do Paraguai, José Gaspar Rodrigues de Francia (1776-1840) queixava-se dos índios Guaicuru, que invadiam o território de seu país para pilhagens e saques. Afirmava Francia serem os índios influenciados pelos moradores de Cuiabá, de Miranda e do forte de Coimbra. E, segundo Augusto Leverger (1802-1880), futuro presidente da Província de Mato Grosso, talvez fosse este o mais antigo motivo da indisposição dos vizinhos castelhanos contra o Império do Brasil.

A preocupação central dos governantes da Província era proteger as fronteiras de Mato Grosso. Para tanto, procuravam manter os índios próximos a elas. Sem dúvida nenhuma, esta estratégia ajudou muito o Brasil a vencer a guerra. Os índios eram exímios conhecedores da região do conflito. Por isso, eram requisitados pelos militares como guias. A partir de 1860, os Guaicuru passaram a ser enviados com freqüênciaGuaicuru Cavaleiros, assim denominados por serem conhecidos, desde o período colonial, como especialista na arte de montar. A narrativa sobre essa habilidade especial dos Guaicuru pode ser encontrada na obra A Retirada da Laguna.
Nela, Taunay descreve um dos momentos mais dramáticos do conflito, ocorrido em 1867. As tropas sofriam com a falta de víveres e outras dificuldades, como o desconhecimento daquela região pantanosa, as conseqüências dos incêndios provocados pelos paraguaios e a escassez de água, apesar das copiosas chuvas. Foi um período de elevada mortandade, provocada pelo inimigo e por um surto de cólera, que fez inúmeras baixas. Soldados indígenas também enfrentaram com bravura aquela situação extrema. Relata Taunay que o major José Tomás Gonçalves, comandante do 21º Batalhão de Infantaria, seguiu uma vez a cavalo, em companhia do Corpo de Caçadores e mais trinta índios, para surpreender paraguaios que se encontravam a mais de uma légua. Percebendo a disposição da coluna brasileira, os inimigos, embora com maior número de combatentes, resolveram debandar, deixando para trás arreios, cavalos e lanças. O major Gonçalves destacaria depois a atuação aguerrida dos soldados índios nesse episódio.
Por conhecerem bem os territórios da Província, diferentes grupos indígenas prestavam serviços também na abertura de trilhas e outros tipos de trabalho, como o fornecimento de lenha para os vapores que transportavam pessoas e cargas ou o sepultamento dos mortos em combate. Os Kinikinau, os Xamakoko, os Kayapó, os Terena e os Layana foram mencionados, em manuscritos relacionados ao período da guerra, como os que socorriam as forças militares com mantimentos. Os Guaicuru, os Terena, os Kinikinau e os Guaná ocuparam as frentes de batalha no episódio da Retirada da Laguna e depois em solo paraguaio.
A inimizade dos Guaicuru com os paraguaios se registra desde o período da colonização, quando expedições punitivas eram freqüentemente enviadas contra eles pelos espanhóis, inclusive com participação de grupos indígenas rivais, como os Guarani. Tais incursões estimularam e enraizaram a inimizade dos Guaicuru pelos paraguaios, mais do que com os portugueses. Quanto aos Guató, os manuscritos pesquisados não esclarecem o porquê de terem lutado inicialmente em favor dos paraguaios. Supõe-se que isso se deu pelo fato de habitarem as terras do Alto rio Paraguai, onde teriam sido aliciados pelo inimigo. Mas eles acabaram se desligando das forças paraguaias – segundo afirmaram, pelas crueldades que puderam presenciar. Tornaram-se então espiões a serviço dos brasileiros, aos quais davam conta dos movimentos do inimigo nas terras próximas ao rio São Lourenço, na Província de Mato Grosso. Os Bororo da Campanha, que viviam próximos ao Escalvado (nas imediações de Cáceres, antiga Vila Maria), prendiam e traziam de volta aos destacamentos os desertores e escravos que fugiam para a Bolívia.

Entre os índios havia voluntários, mas grande parte deles era levada à força para o campo de batalha. O que se consideraria hoje uma grave infração aos direitos individuais, era comum na época. Em geral, o recrutamento compulsório incidia sobre indígenas, negros, forros ou escravos, e homens desocupados em condições de lutar – todos representantes das camadas “inferiores” da população. A prática do recrutamento forçado não era tranqüila. Existe o registro da atitude de um velho índio Guaná chamado Braz, que teve dois filhos menores, Ricardo e José, recrutados contra a sua vontade. Ele se apresentou ao general Alexandre Manoel Albino de Carvalho, presidente da Província de Mato Grosso, em julho de l865, para exprimir suas queixas. Segundo alegou o ancião, eram Ricardo e José que o ajudavam a manter-se na velhice, e além disso um outro filho já participava da guerra, como soldado no Exército imperial. O documento não indica o resultado de suas reclamações.

Os índios voltavam dos ataques aos paraguaios carregando consigo fuzis, munições, tecidos, terçados (sabres), uniformes velhos e diplomas recebidos de oficiais brasileiros, como prova de sua presença nas fileiras da guerra. Alguns, como os Guaná, receberam até gratificação em dinheiro. Eles costumavam guardar por muito tempo os modestos prêmios que recebiam, orgulhosos de seu atos de bravuras. Em 1865, os Kadiwéu chegaram até São Salvador, pelo rio Apa, carregando armas a eles oferecidas por brasileiros, além de muitos outros objetos e mercadorias obtidos com saques e pilhagens contra instalações militares e comboios de abastecimento uruguaios. Em 1879, quase quinze anos depois, ainda eram vistos usando os velhos sabres presos à cintura.
 
Os cadiuéus (grupo remanescente dos Guaicuru) sustentam ainda hoje que receberam, da parte do próprio imperador D. Pedro II, a promessa formal de terem suas terras demarcadas tão logo terminasse a guerra. Eles temiam, desde o começo do conflito, que seu território pudesse ser invadido pelo inimigo e vir a tornar-se propriedade dos castelhanos paraguaios. Autores como Sílvia Carvalho, atestam que, por documento oficial, datado do século XIX, eles têm, realmente, esse direito. Contudo, o acordo nunca foi respeitado. Terminada a guerra, tornou-se comum a apropriação das terras indígenas, por fazendeiros ou militares, na região sul da Província. Tal situação tem inspirado, desde então, inúmeros conflitos entre índios e não-índios em áreas do atual Mato Grosso do Sul. Embora a vitória sobre o Paraguai se deva muito à força dos índios, estes voltaram da guerra, enfim, sobraçando apenas ninharias, ofertadas como esmolas, sem direito a honrarias ou recompensas de verdade pela bravura que exibiram nos campos de batalha.

Fonte: RHBN
Mão negra, espada branca
Guerra no sul do Brasil fez Portugal recrutar “homens de cor”. Para algumas capitanias, eles eram uma ameaça maior que os espanhóis.
Luiz Geraldo Silva  

Em 1762, durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), a fronteira noroeste de Portugal foi invadida por forças francesas e espanholas. Graças ao auxílio inglês a campanha militar foi breve. Mas a fragilidade lusa ficou patente no conflito. Era preciso reformular sua arcaica estrutura militar. E isso era tarefa urgente, porque a Espanha continuava ameaçando suas fronteiras. Mas desta vez do outro lado do oceano.

Desde a União das Coroas Ibéricas (1580), comerciantes das Américas portuguesa e espanhola haviam formado redes que continuaram existindo depois da restauração de 1640. Para garantir suas posições no comércio que ligava a região do Rio da Prata com o centro-sul do Brasil, Portugal criou a Colônia de Sacramento (1680), situada em frente a Buenos Aires, e a capitania de Rio Grande de São Pedro (1713). Os espanhóis atacavam estas posições sempre que podiam, tornando muito instável a situação daquelas fronteiras. A crise chegou ao auge quando, numa investida a partir de dezembro de 1762, forças espanholas lideradas por D. Pedro de Cevallos ocuparam a Colônia de Sacramento, os fortes de São Miguel e de Santa Tereza (no que viria a ser o Uruguai), e Rio Grande de São Pedro (atual Rio Grande do Sul). Tinha início o período da dominação espanhola no sul da América portuguesa. 

Era o momento de reagir, e Portugal contava com o homem certo para isso: Sebastião José de Carvalho e Melo (1699-1782), mais tarde conhecido como marquês de Pombal, tinha status de superministro e vinha empreendendo várias reformas desde que assumiu o cargo, em 1755. Com o agravamento da situação ao sul do Brasil, ele deu início a uma série de medidas militares e estratégicas para retomar o território.

A primeira delas, já em 1763, foi a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro. Mais central e mais próxima do palco da guerra, a nova sede do Vice-Reino receberia mais facilmente recrutas, munições e rações das outras capitanias, e os remeteria ao Sul. À capitania de São Paulo foi atribuído o papel de muralha entre os espanhóis e o cobiçado território das Minas. Finalmente, veio a Carta Régia de 22 de abril de 1766. Enviado a todos os governadores e capitães-generais, o comunicado mandou “alistar todos os moradores das terras da Vossa jurisdição que se acharem em estado de poderem servir nas Tropas Auxiliares, sem exceção de Nobres, Plebeus, Brancos, Mestiços, Pretos, Ingênuos e Libertos”. 

Ao contrário do exército profissional, que era fardado, armado e remunerado pela Coroa, os colonos alistados nas tropas auxiliares tinham que prover suas próprias armas, munições e fardamentos. A Carta Régia reconhecia que, até então, essas tropas pecavam pela “irregularidade e falta de disciplina”, mas apostava que, se fossem “reguladas e disciplinadas como devem ser”, constituiriam “uma das principais forças que tem o mesmo Estado para se defender”. 

O esforço de guerra pretendido por Pombal esbarraria num problema social: as relações escravistas e raciais no Brasil Colônia. Na década de 1760, negros livres e escravos formavam quase dois terços da população da América portuguesa, e na maior parte das capitanias havia mais negros do que brancos entre a população livre. Por isso, o resultado óbvio da convocação seriam corpos militares formados, em sua maioria, por homens de cor. 

Cada capitania respondeu à sua maneira ao chamado para a guerra luso-castelhana. Em Minas Gerais, o governador Luís Diogo Lobo da Silva (1763-1768) criou regimentos – chamados de “Terços” – apenas com pardos e pretos, determinando que eles deveriam ter seus próprios oficiais. Ordenou que os capitães-mores fizessem a contagem de todos os escravos de suas freguesias para formar, com a quinta parte deles, alguns “Terços de Negros Cativos”. E ainda sugeriu, para espanto local, que os senhores providenciassem armas de fogo para seus escravos recrutados. Várias câmaras de vilas consideraram essas medidas muito arriscadas. As de Caeté e Mariana, por exemplo, recusaram-se a armar e a formar tropas com o que chamavam de “inimigos domésticos dos brancos” e “bárbaros infiéis”. 

Em São Paulo, o recrutamento de pardos e pretos começara antes mesmo da publicação da Carta Régia de 1766. Em agosto do ano anterior, o governador D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão, o morgado de Mateus (1765-1775), determinara a formação de uma companhia de pardos na vila de Santos, uma de mulatos em São Sebastião e revelou intenção de criar outra tropa de pardos em São Vicente. Também colocou em marcha um projeto de armar com chuços (espécies de lanças) todos os escravos do litoral. Depois da Carta Régia, surgiram ainda mais corpos militares de homens de cor em São Paulo, como as Companhias de Mulatos de Taubaté e de Pindamonhangaba, a Tropa de Pardos de Jundiaí e as Companhias de Pretos da vila de Paranaguá. 

Mas o berço das tropas dos homens de cor era mesmo Pernambuco, pois a capitania já havia passado pelas guerras contra os holandeses de 1630-1635 (invasão) e 1645-1654 (restauração). A memória de Henrique Dias, mestre de campo das tropas negras naqueles conflitos, eternizara-se: seu nome fora adotado pelos batalhões de Pretos que surgiram em várias capitanias após sua morte, em 1662. Um século depois, estavam ativos dois corpos militares de homens de cor em Pernambuco. O de Pardos possuía 31 companhias e contava com 1.401 pessoas. O de Henrique Dias, exclusivamente formado por Pretos, contava com 17 companhias formadas por 1.549 homens. A Carta Régia de 1766 chegou à capitania no governo de Antônio de Sousa Manoel de Meneses, conde de Vila Flor (1763-1768). Ele decidiu estabelecer três novos corpos militares: um Terço Novo de Henriques, destinado exclusivamente aos Pretos, e dois Terços de Pardos.

Os combates se intensificaram a partir de 1774. Os espanhóis, que já haviam conquistado o Rio Grande, avançaram até Santa Catarina. O Brasil tinha um novo vice-rei desde 1769, o marquês do Lavradio, que diante da situação solicitou a Pombal que militares de sua confiança assumissem o governo de algumas capitanias, ou fossem remanejados de umas para outras, e mandou aumentar o recrutamento para a guerra. O que gerou novos problemas.

De São Paulo, tropas de Pardos e Pretos foram enviadas para as fronteiras do Mato Grosso. Determinou-se que todos os “homens solteiros, Brancos, Bastardos, Negros forros, e ainda os papudos [pessoas com bócio]... e todos os mal casados” serviriam em um mesmo corpo militar. As resistências por parte dos soldados brancos foram imediatas. Os de Itu protestaram contra o alistamento do filho de uma mulata em suas fileiras. Em Jundiaí, mães negras eram presas pelas autoridades caso seus filhos desertassem das tropas. Perfazendo apenas 25% da população da capitania e considerados novatos na região, os negros livres eram tratados como escória na capitania. As câmaras mineiras, por sua vez, aceitaram a existência dos Terços de Pretos e Pardos, mas reclamavam que eles fossem liderados por homens de cor. 

Para piorar o quadro, a situação das tropas era de evidente penúria. A maior parte dos 4.085 soldados enviados de Minas Gerais foi descrita como “vadios”. Somente 757 deles portavam armas de fogo. O restante utilizava lanças de pau tostado. Muitos estavam “inteiramente nus, sem mais que umas ceroulas e camisas”. O próprio vice-rei Lavradio, ao constatar que não estavam preparados para enfrentar uma guerra, acabou dispensando muitos soldados.

A discriminação às tropas de cor não era a mesma em Pernambuco. Ao contrário, os Terços de Pretos e Pardos eram uma instituição respeitável. A Ordem Régia enviada para a capitania em maio de 1775, determinando novo recrutamento, fazia menção especial ao histórico de serviços prestados pelos homens de cor na capitania: “Sua Majestade conserva muito vivas na sua lembrança as gloriosas ações com que sempre se distinguiu o dito Terço”. Os que então o compunham deveriam “parecer não só descendentes, mas verdadeiros imitadores dos heróis que tanto o ilustram”. Retórica bem distante do que se viu: quase todos os recrutados estavam nus e poucos tinham armas. Muitas sequer funcionavam. A solução, como em Minas, foi fazer oitocentos paus tostados, recurso por sinal elogiado pelo governador, José César de Meneses, que se lembrava “de terem sido estas as armas de que aqui se usou durante a expulsão dos Holandeses, as quais os Pretos jogam com admirável destreza”. 

Os combates heróicos de Henrique Dias eram coisa do passado. Prova disso foi a reação dos soldados pernambucanos quando, no dia 7 de setembro de 1775, já preparados para partir, chegou ao Recife a suspensão da ordem de recrutamento. A guerra já estava em seu final. Pretos e Pardos correram “para suas casas, com tanta pressa que se atropelavam uns aos outros, soando por todas as ruas as festivas aclamações de viva El Rey Nosso Senhor”. 

Fonte: RHBN 

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O gaúcho que inventou o rádio
Guglielmo Marconi levou a fama, mas foi o padre Landell de Moura quem fez as primeiras experiências de transmissão da voz humana em 1893. Ele nasceu há 150 anos, em Porto Alegre
Lucio Haeser

Há 150 anos, no dia 21 de janeiro de 1861, nascia, em Porto Alegre, o padre Roberto Lândell de Moura, o inventor do rádio.

Guglielmo Marconi levou a fama, mas a obra do italiano foi o telégrafo sem fio. Ou seja, pontos e traços do Código Morse sendo enviados pelo espaço. Já o padre Landell fez as primeiras experiências de transmissão da voz humana em 1893. Antes de Marconi e antes de Nicolá Tesla, gênio nascido na Croácia, que desenvolveu grandes experimentos, e que é reconhecido nos Estados Unido s como o inventor do rádio.


[À esquerda: foto de Landell de Moura tirada em 1908, com manipulação / wikimedia].

É claro que, como na maioria dos inventos, nunca se pode dar o crédito a apenas uma pessoa. Sempre há um processo de inovações que levam a uma determinada descoberta. A existência das ondas eletromagnéticas foi teorizada pelo escocês James Maxwell em 1873. O alemão Heinrich Hertz fez a primeira demonstração prática do fenômeno em 1888.

A década de 1890 fervilhava com a idéia da transmissão de mensagens à distância sem a necessidade de fios, fossem elas em código Morse, sons ou imagens.  

Mas, mesmo que sejam desconsideradas as experiências pioneiras de Landell de 1893, e seja levada em conta apenas a transmissão de 3 de junho de 1900, na Avenida Paulista, em São Paulo, amplamente testemunhada e registrada na imprensa, vê-se claramente que o padre porto-alegrense foi o primeiro a levar a palavra do homem à distância sem o uso de fios.

Pois só seis meses depois haveria notícia de algo semelhante. E ainda assim, restam dúvidas se o canadense Reginald Féssenden, fez de fato a sua primeira transmissão em dezembro de 1900. Publicamente, a primeira transmissão de Féssenden ocorreu apenas no Natal de 1906.


[À direita: réplica funcional do Transmissor de Ondas, construida por Marco Aurelio Cardoso Moura em Maio de 2004 / wikimedia]

No entanto, o rádio nasceu pelas mãos de Landell, mas ninguém percebeu. O fato é que, apesar de ter obtido patentes para seus inventos até nos Estados Unidos, no Brasil ele foi tido pelas autoridades como louco e, por alguns dos féis da igreja, como alguém que tinha pacto com o demônio.

Landell sempre trabalhou com recursos próprios. O interesse do padre pela ciência já o havia colocado em contato com dom Pedro II, ainda durante o império. Pedro II sempre foi um homem de visão e aficionado pelas novidades científicas. No entanto, mais tarde, em 1904, já sob o regime republicano, quando Landell procurou o presidente Rodrigues Alves para obter auxílio em seus experimentos, foi visto como doido. É que ele teve a ousadia de dizer que, futuramente, o seu invento possibilitaria até a comunicação interplanetária.

Landell estava certo. Hoje temos as espaçonaves não tripuladas Voyager, lançadas pela Nasa em 1977, saindo do sistema solar, e ainda enviando imagens e sons para a Terra.

Outro episódio foi marcante na vida de Landell. A invasão e destruição de seu laboratório, construído a duras penas. Fiéis da igreja invadiram seu local de trabalho e destruíram tudo.

Por volta de 1910, com outros cientistas estrangeiros levando as experiências adiante, e ganhando as glórias pelo invento do rádio, Landell de Moura abandonou a ciência. Levou sua vida até 1928 apenas no exercício do sacerdócio. Nunca demonstrou raiva ou ressentimento. Compreendia a ignorância humana.

[À esquerda: memorial descritivo da Patente Brasileira de Landell de Moura, de 1901 / fonte: wikimedia]

Muito da sabedoria de Landell se perdeu por causa do descaso ou pela ação do tempo. Mas o jornalista Hamilton Almeida, maior pesquisador e autor de dois livros s obre o inventor brasileiro, registra que Landell tinha muitas outras investigações científicas.

Abordava até a possibilidade de comunicação entre as pessoas diretamente pelo que chamava de logus, ou o verbo mental. São mistérios que, como o próprio Landell disse, teria que levar para o túmulo.

Fonte: RHBN

Cientistas voltam atrás e reconhecem que Tiranossauro Rex foi máquina mortífera

Paleontólogos reabilitaram imagem de predador do famoso dinossauro

Fonte: AFP                                                                                                                                     

AP
 Paleontólogos voltaram atrás nesta terça-feira (25) em um acalorado debate sobre a natureza do Tiranossauro Rex (ou T-Rex, como também é conhecido), que de temido predador foi transformado em um comedor de carniça, reabilitando a imagem do famoso caçador da pré-história.
Por mais de um século depois de sua descoberta, muitos cientistas têm descrito rotineiramente o T-Rex como o rei das máquinas mortíferas, com seis toneladas de dentes, músculos e força, projetado para derrubar e destroçar dinossauros muitas vezes maiores do que ele.
Mas ao longo da última década, uma nova escola pintou um novo retrato, menos elogioso, da espécie. Segundo essa teoria, o T-Rex seria apenas um lagarto oportunista, atrapalhado e lento demais para conseguir caçar sozinho. Por esse motivo, ele simplesmente roubaria a refeição depois que predadores mais astutos tivessem feito o trabalho sujo. Em outras palavras, seria mais como uma hiena do que como um leão.
Polêmica começou em 2003

O primeiro ataque às credenciais predatórias do dinossauro carnívoro veio à tona em 2003, quando o especialista americano Jack Horner concluiu que os braços sem garras do T-Rex, os olhos pequenos e as patas pouco ágeis demonstrariam que ele seria "100% carniceiro".
Em 2007, o cientista John Hutchinson da Escola Real de Veterinária, da Grã-Bretanha, desferiu outro golpe na reputação do tiranossauro, ao demostrar que o "desajeitado" dinossauro precisaria de mais de dois segundos para dar uma volta de 45 graus, facilitando a fuga da presa.
Estudo mostra que dino tinha características de caçador
Mas um novo estudo, publicado na revista Royal Society B: Biological Sciences, pode reequilibrar a balança a favor do famoso dinossauro. O cientista Chris Carbone, da Sociedade Zoológica de Londres, e seus colegas dizem que alguns dos traços analisados que levantaram dúvidas sobre a perícia predatória do tiranossauro estão cheios de ambiguidades.
Segundo eles, o olfato apurado, presumido pelos bulbos olfativos aumentados, que é um traço comum entre carniceiros, como os urubus, também pode ajudar um caçador. Eles argumentam também que os olhos do dinossauro não são tão pequenos quanto se pensa e sua visão binocular, juntamente com sua mordida esmagadora e dentes resistentes a impactos, seriam bem adaptados para a caça.
Mas o argumento mais convincente de Carbone não tem nada a ver com os traços físicos do terópode gigante.
"Fizemos uma abordagem ambiental, estabelecendo uma lista completa de todas as espécies na área", explicou o cientista por telefone. "O que é novo é que tiramos conclusões sobre a abundância a partir do tamanho dos animais" no Cretáceo tardio, afirmou, em alusão ao período compreendido entre 85 e 65 milhões de anos atrás, quando o T-Rex reinou absoluto.
Com base em registros fósseis e estudos da distribuição da fauna nas planícies do Serengeti, no leste da África, hoje, Carbone calculou que o ecossistema na época teria sido enormemente habitado por dinossauros menores.
Entre os carnívoros, 80% pesariam cerca de 20 kg, e o T-Rex responderia por 0,1% da população. Entre os herbívoros, geralmente mais pesados, cerca da metade pesava cerca de 75 kg.
Chances de T-Rex se alimentar de carniça são quase nulas
Os cientistas calcularam o perímetro onde o T-Rex poderia se deslocar diariamente, quantos dinossauros mortos de tamanhos diferentes encontraram pelo caminho e outro tipo de alimento que pudesse ser detectado.
"Em vista da distribuição de carcaças e da competição potencial com outros dinossauros carnívoros, é extremamente improvável que um Tiranossauro Rex adulto pudesse se alimentar no longo prazo de carniça como estratégia de alimentação sustentável", concluiu o estudo.
Segundo Carbone, cães selvagens e hienas - similares em tamanho e relativamente abundantes tanto quanto dinossauros menores do Cretáceo tardio - "são capazes de reduzir uma carcaça de 70 kg a pedaços de pele e ossos rapidamente, certamente em menos de uma hora".
De acordo com o cientista, um carniceiro lento teria um desempenho muito pior e sofreria as consequências disso. 



Notícia publicada no site r7.com em 25/01/2011