Médico dá instruções sobre embelezamento na década de 1920. Para ele, a fealdade podia ser causada até por vício |
Por Christianne Theodoro de Jesus |
Um ser degenerado, de uma raça que precisava ser melhorada. Esta era uma ideia comum sobre o mestiço brasileiro no fim do século XIX e no início do XX. Discussões acaloradas no meio científico nacional se preocuparam com o aspecto físico desse indivíduo. O médico Renato Kehl (1889-1974), autor do livro A cura da fealdade(Editora Monteiro Lobato, 1923) – guardado na Divisão de Obras Gerais da Biblioteca Nacional – era um dos que se dedicaram a esse tema. Mas a abrangência de seus estudos é tão ampla que é difícil definir o que ele considerava feio: ia desde narizes achatados a doenças como raquitismo e sífilis. Mesmo admitindo que a feiúra podia ter diversas causas – ambientais, climáticas, hereditárias etc. – Kehl assegurava que “são elas, em grande número, devido aos próprios indivíduos, adquiridas por desleixo, ignorância ou por vício”. A crença na medicina e no poder da eugenia – teoria que propunha o melhoramento das raças – levou o médico a afirmar, num tom quase profético, que a beleza perdida podia ser recuperada por meios cirúrgicos: “o homem, capaz de talhar no mármore a Vênus de Milo, é capaz também de moldar plasticamente toda a humanidade”. Aliás, “moldar plasticamente” acabou se tornando uma profissão muito rentável. A preocupação com o casamento ocupa boa parte do capítulo “A fealdade se evita”. Uma das propostas de Kehl para a prevenção da fealdade era a criação de um “exame de sanidade pré-nupcial”, obrigatório para todos os candidatos ao matrimônio, que determinaria “a proibição formal [do enlace] àqueles que não estejam em condições de higidez [saúde]”. O médico desaconselhou enfaticamente a viagem de lua de mel “tão em voga entre as famílias abastadas, por serem perniciosas (...). A pobre esposa (...) submete-se, nessa ocasião, a um traumatismo que abalará todo o seu ser, e é este o momento que escolhe para ajuntar às excitações conjugais”. Entre os traumas estavam trepidações de trem e corridas cansativas, que poderiam causar abortos. Os procedimentos estéticos atuais deixariam Renato Kehl de cabelo em pé: acreditando que o avanço da medicina seria responsável pelo embelezamento dos indivíduos, rechaçava a maioria dos meios artificiais para aumentar a beleza da mulher. Considerava que “não consiste a terapêutica [para eliminar a feiura] em artifícios de toucador, em cremes, pomadas, tinturas”, métodos causadores de mudanças superficiais e criadores de “beldades falsas”. O projeto de Kehl incluía um amplo programa de reforma do indivíduo, baseado não só na higiene corporal, mas também na educação moral – que fornecesse às pessoas, sobretudo às crianças, noções de “deveres individuais, de família e de pátria” – e nas intervenções cirúrgicas. Para o embelezamento do conjunto “crânio-facial”, nada mais indicado que uma massagem manual para tonificar a pele e exercícios para a musculatura da face; no tratamento dos incômodos cravos, pomada composta de cânfora, ácido fênico, vaselina e mentol. O uso de chapéus apertados devia ser evitado por homens e mulheres, pois contribuía para o enfraquecimento dos cabelos. Kehl também desaprovaria as técnicas utilizadas em larga escala nos salões de cabeleireiro de hoje: não se devia, segundo ele, “mantê-los aprisionados entre grampos e cremes”, muito menos “submetê-los à ação dos frisadores, fortemente aquecidos, que têm a desvantagem de queimá-los”. Para a robustez do corpo, o médico indicava diversos exercícios físicos com gráficos mostrando a postura correta para evitar deformações na coluna. O asseio também devia ser impecável, tanto para a saúde como para evitar embaraços: quando há “falta de higiene e a troca rara de meias (…) os pés, nessas condições, exalam um cheiro forte e nauseabundo, incomodando não só o paciente como as pessoas com quem convive”. O estudo do médico se baseava no legado de Francis Galton (1822-1911), o pai da eugenia. Kehl, que criaria em 1931 o Comitê Central do Eugenismo – um dos seus objetivos seria divulgar as teorias eugênicas de regeneração moral e física dos indivíduos –, escreveu mais de 500 páginas sobre a eliminação da feiúra, expondo vários métodos para atenuar ou eliminar os traços indesejados, uma “profilaxia da fealdade”. Ele partia das seguintes premissas: “a fealdade não é atributo natural da espécie humana” e “a beleza humana depende, na maioria das vezes, dos próprios indivíduos, bem como a fealdade”. Fonte: RHBN |
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sábado, 8 de janeiro de 2011
Feiura, não
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